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Embraer traça estratégias para enfrentar crise e longa batalha no tribunal

Após o fim do acordo com a Boeing, a brasileira desenha plano para manter a saúde financeira em um momento de cenário crítico para a aviação

Por Alessandra Kianek 30 abr 2020, 12h27

Um dos noivados mais certos, que teve início em 2017, e cujo casamento era esperado para este ano, chegou ao fim na semana passada e vai terminar da pior forma possível: com um divórcio litigioso. A Boeing, gigante americana de aviação, desistiu de comprar o controle da divisão de aviões comerciais da Embraer por 4,2 bilhões de dólares, alegando que a brasileira não cumpriu exigências estabelecidas no contrato. A Embraer reagiu duramente e acusou a americana de ter forçado o fim do acordo, por causa da grave crise financeira, com a paralisação da produção do avião 737 MAX, e à queda de demanda decorrente da pandemia do coronavírus. Resultado: o caso vai parar nos tribunais. A companhia brasileira iniciou um processo de arbitragem contra a fabricante americana de aviões, em que irá tentar resolver a pendência entre as partes em um tribunal privado dos Estados Unidos. Apesar desse mecanismo ter a característica de ser mais célere do que casos levados à Justiça comum, a companhia irá enfrentar uma longa e desgastante disputa e de grande dimensão financeira até o seu desfecho.

O que a Embraer quer é ser ressarcida dos investimentos de quase 500 milhões de reais que aportou para completar o negócio com a Boeing, ao destrinchar sua área de aviação comercial dos setores de defesa e de jatos executivos, que ficariam na empresa brasileira remanescente do negócio. Mas ela pode conseguir muito mais. “Se a Embraer provar que a Boeing não tem razão em seus argumentos para quebrar o contrato, a empresa pode ser ressarcida de todos os seus prejuízos, incluindo os indenizatórios, e não apenas do que foi investido no negócio. A responsabilidade vai além. A companhia pode, por exemplo, ter tido prejuízo por ter deixado de estabelecer uma parceria com outra empresa naquele período. Isso tem valor econômico”, explica o advogado Fernando Vernalha, especialista em contratos públicos e privados do setor aéreo e de infraestrutura. Procurada por VEJA, a Embraer informou que “buscará todas as medidas cabíveis contra a Boeing pelos danos sofridos como resultado do cancelamento indevido e da violação do Acordo Global da Operação”, e completou: “acreditamos firmemente que a Boeing rescindiu indevidamente o acordo e fabricou alegações falsas como pretexto para tentar evitar seus compromissos de fechar a transação”.

Não tinha um pior momento para esse problema aparecer nas mesas de reuniões da companhia aérea brasileira. O cenário para a aviação é nebuloso. A crise causada pelo coronavírus afetou em cheio o setor aéreo, e as companhias sentiram o impacto crescente e progressivo da pandemia, com o fechamento de fronteiras e restrições de mobilidade. Além disso, as fabricantes aeronáuticas viram seus pedidos serem revistos no mundo todo. Com os seus aviões estacionados nos hangares, as empresas clamam por socorro público. Após assistir ao fim do acordo – considerado por muitos a sua salvação –, a Embraer agora tem de buscar um plano B, e as opções não são nada animadoras devido ao péssimo cenário do setor. A Covid-19 já paralisou a maioria das decolagens e aterrissagens de todos os aeroportos do planeta. De acordo com a Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata), o transporte mundial de passageiros teve em março um mês desastroso, com a maior queda na história recente do setor: retração de 53% na comparação com o mesmo mês do ano passado, o que levou a demanda a voltar aos níveis de 2006 – hoje, porém, a indústria tem o dobro de voos e empregados do que tinha naquela época. A entidade prevê que as empresas aéreas perderão 314 bilhões de dólares em receita neste ano, o que representa retração de 55% em relação ao ano anterior. O quadro futuro não é nada animador, uma vez que a situação se deteriorou ainda mais em abril e muitos sinais indicam uma recuperação muito mais lenta.

A saída mais natural para a Embraer seria retomar o seu projeto de desenvolver o braço de divisão comercial e buscar um novo parceiro. Entretanto, as vendas estão paradas, a demanda geral por jatos desapareceu e a queda nos preços do petróleo enfraqueceu ainda mais os novos aviões da companhia. Uma potencial carta na manga da Embraer é a China – país que busca maneiras de acelerar suas ambições aeroespaciais. Porém, um eventual acordo com os chineses é rechaçado pelos núcleos ideológico e militar do governo federal, que consideram o setor de tecnologia aeroespacial estratégico para a proteção do país. O chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, é um dos que trabalham para evitar que as tratativas com o país asiático possam ter sucesso. À VEJA, a Embraer afirmou que não há nenhuma conversa ou negociação em andamento sobre novas parcerias. Outra saída aventada pelo mercado para a companhia, de mais curto prazo, envolveria um pedido de socorro ao governo federal, seguindo o exemplo da própria ex-noiva e, agora alçada ao posto de nova rival, Boeing, que já pediu ajuda ao governo de Donald Trump. A americana, inclusive, anunciou, após o cancelamento do acordo com a brasileira, o corte de 10% de sua força de trabalho, dos cerca de 160 mil funcionários em todo o mundo, devido aos impactos do coronavírus.

A situação financeira da companhia brasileira é considerada, por muitos especialistas, preocupante e com tendência de se agravar. A própria empresa afirmou à VEJA que, apesar de ter encerrado 2019 com uma sólida posição de caixa e não ter dívidas significativas nos próximos dois anos, irá passar a adotar medidas adicionais para preservar a liquidez e manter sólidas as finanças. O plano da empresa inclui ajustes de estoque e produção, extensão de ciclos de pagamento e, principalmente, a redução de despesas e também de investimentos. E mais: busca acesso a fontes complementares de financiamento. A Embraer aposta, ainda, que “os jatos regionais vão liderar a recuperação do setor de aviação nos próximos trimestres, à medida que as companhias aéreas retomarem suas operações por meio de rotas regionais e domésticas” – o seu principal mercado. O cenário, entretanto, é de nevoeiro para a companhia, visto que, a cada dia, os prognósticos para a retomada econômica se mostram cada vez mais desafiadores, com céus cheios de nuvens carregadas e tempo fechado.

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