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Fim da era dos juros baixos nos EUA aponta para turbulências no Brasil

Um ambiente mais desafiador deve ser criado para os países emergentes — e a primeira consequência será percebida na valorização do dólar

Por Luisa Purchio Atualizado em 4 jun 2024, 13h10 - Publicado em 10 dez 2021, 06h00
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  • O presidente do Federal Reserve, o banco central americano, Jerome Powell, encarnou uma peculiar metamorfose nos últimos dias. Durante meses, o banqueiro e advogado de Washington insistiu que a inflação que assola o seu país era temporária e inócua para a economia. No último dia 30, entretanto, finalmente reconheceu que a alta de preços é preocupante. A mudança de postura ocorreu uma semana após ter a confirmação do presidente Joe Biden de que permaneceria no cargo por mais um mandato de quatro anos. Em um discurso para o Senado, Powell afirmou que deve acelerar a retirada de estímulos financeiros da economia, cruciais para a sustentação das atividades durante a crise da pandemia, numa sinalização de que está preparando o terreno para uma alta dos juros já em 2022. Essa segunda decisão é especialmente relevante para as nações em desenvolvimento, e em particular para o Brasil.

    Toda vez que os Estados Unidos se preparam para subir os juros, cria-se um ambiente mais desafiador para os países emergentes — e a primeira consequência será percebida na valorização do dólar. Sempre que os juros nos países ricos ficam muito baixos, existe um estímulo para investidores internacionais procurarem ativos de risco pelo mundo em troca de mais rendimentos. Com a elevação, o cenário se inverte. Os indicadores da economia americana mostram que o país está pronto para efetivar essa mudança. Enquanto a inflação acumulou alta anual de 5% em novembro, um patamar bastante elevado para os Estados Unidos, o índice de desemprego chegou a 4,2% no mesmo mês, o mais baixo desde o início da pandemia. Ao mesmo tempo, grandes bancos internacionais preveem um crescimento do PIB americano acima de 3% em 2022. Nessas circunstâncias, já se desenha a elevação na taxa de juros em 0,75% ao ano, a depender dos indicadores dos próximos meses. “Se a inflação não cair, ficar estacionada acima dos 4%, o Fed vai dar uma porrada. Historicamente, quando ele começa a acelerar muito o aperto monetário, os mercados emergentes desabam”, diz Tony Volpon, estrategista-­chefe da gestora de fortunas Wealth High Governance e ex-diretor do Banco Central.

    EXUBERÂNCIA - Comércio em Nova York: o PIB americano pode crescer mais de 3% em 2022, contra menos de 1% no Brasil -
    EXUBERÂNCIA - Comércio em Nova York: o PIB americano pode crescer mais de 3% em 2022, contra menos de 1% no Brasil – (Scott Heins/Getty Images)

    O movimento anunciado por Powell coincide com mudanças ocorridas também no Brasil, mas em condições muito diferentes. Para estimular a economia brasileira, o BC chegou a estabelecer em agosto de 2020 a taxa básica de juros, a Selic, em mínima recorde de apenas 2%, pouco acima dos juros americanos, e a manteve até março deste ano. Desde então o país enfrentou percalços diante da tão sonhada retomada da economia, como a volta da inflação e o aumento do risco fiscal, causado pela condução desastrada da política econômica do governo. Para enfrentar esse cenário, o BC, presidido por Roberto Campos Neto, adotou uma política de elevar os juros. Na quarta-feira 8, cravou-se a sétima alta consecutiva, com o aumento da Selic em 1,5 ponto porcentual, fazendo com que os juros terminem 2021 em 9,25% ao ano. É uma ascensão que só encontra paralelo na arrancada ocorrida em 2002, como consequência da eleição de Luiz Inácio Lula da Silva.

    Na mesma reunião que decidiu pela elevação dos juros, o BC sinalizou que deve haver nova alta da mesma magnitude já no início de 2022, caso não ocorram mudanças significativas no cenário econômico. Ou seja, há grande probabilidade de a Selic chegar a 10,75% ao ano já em fevereiro — e registrar novos aumentos no decorrer do ano. O objetivo é forçar a redução na alta dos preços se as projeções para a inflação continuarem ruins e os mercados permanecerem exigindo juros de longo prazo mais elevados para investir na economia brasileira, mesmo que isso cause contração econômica.

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    ESCALADA - Roberto Campos Neto, do BC: os juros a 2% duraram pouco, e devem superar os 10% no começo de 2022 -
    ESCALADA - Roberto Campos Neto, do BC: os juros a 2% duraram pouco, e devem superar os 10% no começo de 2022 – (Raphael Ribeiro/BCB/.)

    Trata-se de uma notícia preocupante, considerando-se que a economia já experimenta uma recessão técnica, com a queda do PIB em dois trimestres seguidos, e os efeitos da alta da Selic ainda não começaram a surtir seu efeito por completo na atividade econômica. Os economistas costumam dizer que qualquer movimento nos juros causa impacto mais forte apenas três trimestres depois de efetivado. É isso o que justifica as projeções do mercado de uma tímida alta do PIB, de apenas 0,5% para 2022. Um sinal claro das condições de investimentos em processo de deterioração se reflete na saída, nos últimos meses, de recursos da bolsa de valores. A B3 lidera o ranking de pior desempenho no ano entre as principais bolsas mundiais.

    Nesse contexto, a sensação é a de que o Brasil, mais uma vez, firma-se como o país das oportunidades perdidas. A alta dos juros americanos encerra um período de excesso de dinheiro disponível para investimentos de risco pelo mundo. O Brasil poderia ter aproveitado muito mais esse cenário extremamente positivo, mas passou 2021 preso a instabilidades políticas provocadas pelo presidente Jair Bolsonaro, pela má condução da crise sanitária da Covid-19 e pela discussão de projetos que pioram a situação do risco fiscal, como a ruptura do teto de gastos para financiar o Auxílio Brasil. Agora, precisa se preparar para condições mais difíceis.

    Publicado em VEJA de 15 de dezembro de 2021, edição nº 2768

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