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Gerações Y e Z mudam de foco e passam a valorizar salário

A mudança no comportamento de brasileiros entre 18 e 34 anos vem sendo observada desde o início da crise econômica, em 2014

Por Leticia Fuentes Atualizado em 14 jan 2018, 10h52 - Publicado em 14 jan 2018, 10h07

Os jovens estão sendo obrigados a se adaptar ao atual cenário econômico do Brasil. Uma pesquisa conduzida pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) sugere que, após a crise econômica e política que se instalou no país em 2014, a felicidade no trabalho deu lugar à estabilidade financeira no ranking de prioridades dos brasileiros entre 18 e 34 anos – faixa que engloba as chamadas gerações Y e Z. O resultado é que esses jovens, que não conhecem o mundo sem internet, estão cada vez menos desapegados – e mais preocupados com o futuro.

“Antes, no auge do momento econômico que o Brasil vivia com a Copa do Mundo, o perfil dominante era de um jovem que tinha como principal ambição viajar o mundo e postar as fotos no Facebook”, explica o professor Ilton Teitelbaum, professor adjunto da Escola de Comunicação, Artes e Design da PUC-RS e coordenador do estudo.

A pesquisa, intitulada “Modelo de País”, faz parte do “Projeto 18/34”, que acompanha as tendências comportamentais dos jovens brasileiros desde 2013. “Agora, o sonho ainda é viajar, mas isso pode ficar para depois. A prioridade, no momento, é a estabilidade financeira.”

Assim, para essas gerações, o trabalho se transformou em um meio para alcançar a felicidade no futuro, não no agora. “Essa mudança caracteriza um jovem menos imediatista, que tem um perfil muito mais conservador no que diz respeito a pensar no futuro e se planejar”, sintetiza Teitelbaum.

A pesquisa, que também contou com a participação de alunos de graduação da instituição, utilizou questionários eletrônicos para avaliar as respostas de 1.620 jovens de 18 a 34 anos, separados proporcionalmente pelas regiões brasileiras, de acordo com as estatísticas do IBGE. Os resultados sugerem que os jovens têm uma visão pessimista sobre o mercado de trabalho, citando como motivos a economia, a política e os salários baixos.

Com a piora no cenário econômico, a diminuição da faixa salarial e o aumento na quantidade de jovens desempregados – segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), 30% dos jovens brasileiros terminaram 2017 sem emprego –, trabalhar mais cedo também se tornou uma necessidade. Do grupo analisado, 70% dos participantes já ingressaram no mercado de trabalho, sendo que 45% o fizeram antes dos 18 anos.

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Outro aspecto que chama a atenção nos resultados é que os jovens das gerações Y e Z também demonstram estar preocupados com seus direitos no futuro. Cerca de 72,7% deles preferem trabalhar com carteira assinada e 50% aceitam se aposentar mais tarde, para garantir que o cofre da previdência não estoure.

Oportunidades

A crise também fez com que muitas pessoas decidissem investir em outras carreiras para tentar aumentar o rendimento do mês. É o caso da Vanessa Portes, 32 anos, que trabalhou durante anos com comunicação empresarial e, em fevereiro de 2017, decidiu largar a área para ingressar em um curso de Direito.

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“Na época em que prestei vestibular, as pessoas não pensavam ou pesquisavam tanto. Elas faziam o que gostavam”, diz. “Depois que a crise chega é que a gente começa a perceber mais o valor do dinheiro.”

Vanessa conta que, mesmo durante a faculdade de Jornalismo, já se questionava se deveria seguir na profissão. “Quando escolhi a minha carreira pela primeira vez, fui pelo que eu gostava. Acabei seguindo para a área de assessoria de imprensa, porque tinha mais oportunidades. Depois, prestei alguns concursos para tentar um salário maior e ter mais estabilidade, mas acabei não passando.”

Depois de três anos trabalhando em uma agência de comunicação, o desânimo levou Vanessa a abandonar a carreira para abrir uma franquia de uma clínica de estética. Com a piora do cenário econômico, porém, o negócio desandou e ela foi obrigada a fechá-lo.

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Estudando para outros concursos públicos, começou a ter mais contato com questões relacionadas a legislação e se interessou pelo assunto. Conseguiu passar no processo seletivo da Agência Paulista de Promoção de Investimentos e Competitividade (Investe), uma organização social ligada à Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação (SDECTI) da Prefeitura de São Paulo, e passou a fazer cursinho durante a noite para ingressar em uma nova graduação – desta vez, Direito.

“Atualmente, trabalho em uma vara criminal e pretendo continuar prestando concursos quando terminar a faculdade”, diz. O sonho é entrar para a magistratura no futuro.

Mas mesmo dentro de seu círculo social, Vanessa diz que não é a única tentando se adaptar para conseguir melhores condições na crise. “Tenho muitos amigos que saíram de suas áreas para mudar de profissão. A impressão que tenho é que as pessoas estão um pouco perdidas, não sabem o que querem, o que fazer, como fazer.”

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Incertezas

Apesar de a crise econômica já ser, por si só, uma causa para a ansiedade em relação ao mercado de trabalho, as redes sociais também têm uma boa parcela de culpa no caso das gerações Y e Z. “Em geral, o jovem não está preparado [para o mercado]. Ele tende a ter dificuldade para falar em público, pois está costuma ter muitos amigos virtuais e estabelece contato principalmente teclando; está acostumado com uma vida facilitada pela tecnologia e tem dificuldade para lidar com a burocracia; e, ainda, não recebe o treinamento adequado para a vida profissional”, explica Teitelbaum.

Isso transforma a incerteza do trabalho em uma ansiedade ainda maior para o futuro, uma vez que o jovem ainda tem de conviver com outras gerações no mercado, como a X (nascidos de 1965 a 1979) e os baby boomers (nascidos de 1946 a 1964).

Mas, além de alterar o comportamento dos jovens, o medo do futuro também aparece nos números na forma de um sintoma grave: a ansiedade. A pesquisa conduzida por Teitelbaum e sua equipe também aponta para o fato de que 75% dos participantes se dizem sobrecarregados, principalmente devido aos estudos, ao trabalho e aos projetos pessoais. Como consequência, 36% dos entrevistados fazem ou já fizeram tratamento psicológico, enquanto outros 36% afirmam que gostariam de fazê-lo. Além disso, 17% dos jovens também admite recorrer a remédios para aliviar sintomas de distúrbios mentais.

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Os dados condizem com outros números nacionais e internacionais que renderam a essas doenças o triste apelido de “mal do século XXI”. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a depressão já é, desde 2015, a doença mais incapacitante do mundo. Só no Brasil, são 11,5 milhões de pessoas convivendo com o distúrbio. Se forem consideradas outras condições que frequentemente são desencadeadas por altos níveis de estresse e preocupação, como ansiedade, síndrome do pânico e Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), os números se tornam muito maiores.

“O jovem, hoje, é muito cobrado, especialmente porque vive em um mundo em que tudo acontece muito rápido. Mas, também, por causa da conectividade”, diz Teitelbaum. “É claro que existem pessoas que passam o dia publicando coisas ruins na internet, mas, no geral, nós só vemos histórias de sucesso sendo compartilhadas nas redes sociais. Isso, consequentemente, pode aumentar ainda mais a cobrança do jovem para se tornar bem-sucedido.”

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