Nas últimas décadas, a China emergiu não apenas como a “fábrica do mundo”, mas também por ser a nova e reluzente protagonista da economia global. Seu crescimento meteórico, que chegou a impressionantes 14,2% em 2007, posicionou o país como a segunda maior força do planeta, atrás dos Estados Unidos. Tamanho poderio explica por que os movimentos da nação da Muralha reverberam em qualquer lugar, causando impactos tanto em Wall Street, o coração financeiro de Nova York, quando entre os produtores do agronegócio brasileiro. Em 2021, mesmo diante dos desafios trazidos pela pandemia, a China se destacou pela robustez de seu PIB, que acelerou 8,1%. O desempenho notável em tempos turbulentos representou um contraponto às dificuldades de outros países. Recentemente, contudo, o cenário por lá mudou, e uma série de indicadores negativos mostram que o dragão perdeu parte de seu poder de fogo.
No trimestre encerrado em junho, o PIB chinês cresceu 0,8% em relação ao período anterior. O resultado sinaliza a continuidade do ritmo mais lento da economia. Em 2022, o PIB avançou apenas 3% — foi o pior desempenho em quase cinco décadas. Não é só. No mês passado, as exportações declinaram 14,5% em relação a julho de 2022, enquanto as importações caíram 12,4%. As principais preocupações dos chineses dizem respeito ao consumo estagnado. “A China precisa estimular a economia, tornando o corte de juros uma medida adequada”, diz Fabiana D’Atri, economista do Bradesco Asset Management.
O país reduziu há alguns dias a sua principal taxa de referência de 3,55% para 3,45% ao ano. No entanto, o índice de cinco anos, que é fundamental para hipotecas, permaneceu inalterado. A manobra financeira reforçou as inquietações já existentes sobre a estabilidade do setor imobiliário chinês, responsável por cerca de 30% do produto interno bruto. A situação se torna ainda mais delicada quando se consideram o atraso nos pagamentos da Country Garden e o pedido de proteção contra falência da Evergrande, dois gigantes do setor imobiliário.
A desaceleração da economia chinesa ecoa nos mercados globais. Tome-se o Brasil como exemplo: o índice Ibovespa experimentou uma sequência de queda que havia muito não se via, em boa medida influenciado pelas turbulências vindas da China, que prejudicaram o mercado de commodities. As flutuações nos preços do petróleo e do minério de ferro são indicadores desse impacto. As incertezas no gigante da Ásia reduziram a cotação do petróleo Brent, que se mantém próximo dos 80 dólares por barril, mesmo com a produção global mais enxuta. O minério de ferro também acumulou uma sequência de quedas, mas a sinalização das siderúrgicas chinesas de manter seus níveis de produção fez o preço da commodity recuperar o fôlego, aliviando as tensões no mercado brasileiro e impulsionando as ações da mineradora Vale na B3, a bolsa de valores de São Paulo. Registre-se que o Brasil tem na nação asiática seu principal parceiro comercial. No ano passado, o país concentrou 30% das exportações brasileiras.
Os desafios econômicos têm chamado a atenção da comunidade global. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, não hesitou em rotular a situação como uma “bomba-relógio”, sublinhando os desafios crescentes que o velho dragão enfrenta. Mesmo dentro da China, as preocupações estão se intensificando. Uma indicação clara foi a tentativa do governo de esconder a alarmante taxa de desemprego entre os jovens, que disparou para um recorde de 21,3%, o nível mais elevado já registrado no país. Outra preocupação é com o envelhecimento da população, que está acelerando mais que o esperado.
Para impulsionar o crescimento, a China conta agora com o apoio do setor produtivo, já que a máquina estatal emperrou. “Há um claro direcionamento do governo chinês para diversificar sua estratégia, com ênfase crescente no segmento privado”, afirma Evandro Menezes, coordenador do Núcleo de Estudos Brasil-China da FGV. “Nesse contexto de reinvenção econômica, a China enfrenta o desafio de seduzir investidores estrangeiros, principalmente diante das retaliações provenientes dos Estados Unidos.” O dragão fraquejou, mas é preciso reconhecer que está longe de ser vencido.
Publicado em VEJA de 25 de agosto de 2023, edição nº 2856