No próximo dia 8 de maio, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central reúne-se mais uma vez para definir qual taxa de juros balizará a economia brasileira. Desde que o BC iniciou o ciclo de corte da Selic, em agosto do ano passado, a opção sempre foi pela redução de 0,50 ponto percentual da taxa, mas agora o cenário é diferente. Especialistas já apostam numa queda menor, de 0,25 ponto percentual, o que representaria um freio que, até pouco tempo atrás, parecia fora de cogitação. No início de 2024, analistas da economia chegaram a projetar que a Selic chegaria até os 8% ao ano ao fim do atual ciclo de corte de juros, na esteira de uma inflação mais comportada e do mercado de trabalho menos aquecido. O que antes se desenhava como um afrouxamento monetário, contudo, agora dá lugar a estimativas conservadoras — os economistas já revisam seus cenários para uma Selic parando na casa dos 10% ao ano. Se ficar por aí, irá gerar uma grande decepção entre os que esperavam por uma nova e promissora era na política monetária do Banco Central.
Há várias razões para a provável mudança de rumo. A primeira delas diz respeito à inflação americana, que teima em não ceder na velocidade esperada. Com os temores em relação à resistência dos preços, o Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, manteve os juros por lá inalterados na reunião da quarta-feira, 1º de maio, na faixa de 5,25% a 5,50% ao ano — é o maior nível desde 2001. “Nos últimos meses, não houve novos progressos em direção ao objetivo de inflação de 2%”, disse Jerome Powell, presidente do Fed, para justificar a decisão.
Na sexta-feira, 3, os dados de emprego divulgados pelo governo americano reforçam a mensagem de Powell na última coletiva, em que adotou um tom mais “dovish” – isto é, menos inclinado a um aumento de juros. A economia americana abriu 175 mil vagas de trabalho em abril, abaixo da expectativa, indicando uma desaceleração do mercado de trabalho. Porém, cortes nos juros dependem que a inflação americana — que está na casa dos 3% — responda da mesma forma, com desaceleração.
Com o receio inflacionário, a perspectiva de redução de juros, de fato, mudou. Se no final de 2023 muitos analistas apontavam a possibilidade de o Fed fazer até sete cortes na taxa em 2024, agora o movimento pode ser até mesmo na direção contrária. Em sua carta anual endereçada a acionistas, Jamie Dimon, presidente do banco J.P. Morgan, afirmou que os juros americanos poderão subir para 8% nos próximos anos como resultado de déficits colossais na economia e da piora de conflitos geopolíticos. Seria um recorde histórico e a erupção de um tremendo obstáculo para o crescimento econômico global.
O que isso tem a ver com o Brasil? “O juro americano mais alto é um fato, está dado, e ele é o piso para os juros no mundo inteiro porque dita o custo do dinheiro globalmente”, afirma Fernando Fenolio, economista-chefe da gestora WHG. Quando a taxa americana está em nível elevado, investidores passam a se interessar menos por mercados emergentes, considerados mais arriscados. No Brasil, os estrangeiros bateram em retirada: em 2024, a saída de recursos da bolsa já somou 30 bilhões de reais até o final de abril, no maior fluxo negativo da série iniciada em 2016. Isso explica a cotação do dólar já ter ultrapassado a barreira dos 5 reais e a bolsa brasileira seguir sem brilho.
Não é apenas o contexto internacional que justifica a mudança de perspectiva na política monetária brasileira. Uma velha conhecida do investidor ajudou a piorar o sentimento em relação à Selic: a política fiscal. Não bastasse a posição já frágil do Brasil enquanto emergente, o país não cansa de enviar mensagens equivocadas. Desta vez, foi a revisão das metas de resultado primário das contas públicas anunciada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Para 2025, a meta saiu de um superávit de 0,5% do PIB para zero. Para 2026, o superávit de 1% do PIB cairia para 0,25%.
Após as revisões, um relatório da Instituição Fiscal Independente, órgão ligado ao Senado Federal, atestou que a decisão afeta a credibilidade do arcabouço fiscal proposto pelo governo, com efeitos em inflação, juros e dívida pública. “A alteração de metas de superávit coloca bastante incerteza no mercado quanto à forma de o governo conduzir a questão fiscal”, diz Juliana Inhasz, professora de economia do Insper. “As pessoas estão tirando o pé do acelerador. É uma revisão total de expectativas no curto prazo.” Por isso, a recente melhora de perspectiva de nota do Brasil anunciada pela agência de classificação de risco Moody’s veio com uma ressalva: o risco fiscal.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, expôs sua preocupação em evento recente promovido pela gestora XP. Afirmou que a incerteza fiscal já fez com que o cenário mudasse, levando a uma revisão da política de juros no país. Isso se dá porque, quando o governo não mostra compromisso com o equilíbrio das contas e amplia os gastos, há efeito inflacionário na economia. O Banco Central então é forçado a adotar uma política mais restritiva. A nova realidade que se impõe vem levando instituições financeiras a revisitar seus cenários para a Selic.
Pautado pelo ambiente mais desafiador tanto no cenário externo quanto doméstico, o Itaú alterou sua projeção para a taxa Selic no fim deste ano de 9,25% para 9,75%, com o dólar valendo 5 reais. Em relatório assinado pelo economista-chefe da casa, Mário Mesquita, a instituição pondera que as estimativas mais conservadoras são resultado dos efeitos da política fiscal praticada no país, considerando a dificuldade do governo em manter uma “trajetória de convergência” de resultados primários. Outro exemplo de quem já trabalha com níveis de Selic mais elevados é o do J.P. Morgan, que recentemente recalculou a estimativa para a taxa de 9,5% para 10% ao ano. Em documento assinado pelos economistas Cassiana Fernandez e Vinicius Moreira, o banco assinala que já havia mudado a perspectiva para a trajetória de juros no mundo, considerando os efeitos de uma política monetária mais restritiva nos Estados Unidos. Agora, afirma a instituição, um “novo desafio” surge no horizonte no Brasil, com as mudanças na meta de superávit — uma combinação bombástica para a política de juros local.
Outros fatores alimentam a preocupação. “O excesso de dívida em vários países, no contexto de juro mais elevado, está produzindo grande piora do déficit nominal”, diz Gabriel Barros, economista-chefe da gestora Ryo Asset. “Esse cenário reduz a paciência do investidor com países em que o lado fiscal é desarrumado, como o Brasil.” Por ora, não parece haver disposição do governo para arrumar a casa, o que poderia ser feito essencialmente via corte de despesas. Afinal, o zelo pelas contas públicas raramente foi uma característica das gestões petistas. Mas a gastança desenfreada traz inflação e, com ela, a necessidade de aumento dos juros. É uma escolha que impede o país de crescer tudo o que poderia — e que precisa.
Publicado em VEJA de 3 de maio de 2024, edição nº 2891