Em meio aos resultados cambaleantes da economia brasileira ao longo do ano, o agronegócio foi a exceção. A produção de commodities, principalmente da soja, foi beneficiada pela desvalorização do real diante do dólar e pela maior demanda por alimentos, sobretudo da China. São variáveis poderosas, mas há outros fatores que têm ajudado a impulsionar o sucesso da agropecuária brasileira. Um dos mais notáveis é o desenvolvimento tecnológico do setor, que implica em aumento de produtividade. Um estudo deste ano da consultoria McKinsey & Company mostrou que as fazendas brasileiras já utilizam mais recursos digitais do que as dos Estados Unidos: aqui 34% fazem negociações on-line, enquanto lá são 26%. “No Brasil já existe uma cultura digital forte no campo, e a pandemia acabou acelerando esse interesse por novas tecnologias”, explica Nelson Ferreira, executivo responsável pelo estudo.
O avanço se dá em frentes múltiplas, em que produtores vêm transformando seus métodos de produção para redução de perdas e aumento nos ganhos. “Uma fazenda de gestão tradicional costuma perder até quatro sacas de grão por hectare. Com o uso dos novos recursos tecnológicos, essa perda não passa de meia saca”, compara Edson Vendruscolo, diretor de operações da empresa O Telhar Agro, uma das maiores produtoras de commodities agrícolas do país. Em suas propriedades em Mato Grosso, onde se plantam soja, milho, algodão e se cria gado, os agrônomos se valem de equipamentos como pluviômetros digitais, que medem com precisão as chuvas e o melhor momento para fazer alterações no solo e nas plantações. Da mesma forma, aplicam técnicas de telemetria para monitorar a distância o percurso das máquinas e usam smartphones e sistemas de geolocalização para a contagem das plantas. Já mapas de temperatura detectam se há pragas. Todo esse aparato acarreta um gasto extra de cerca de 40 reais por hectare. Mas o investimento compensa, pois só o pluviômetro digital permite a economia de 100 000 reais por ano.
O desenvolvimento da tecnologia agrícola está diretamente relacionado aos desafios impostos pelo clima tropical e à maior suscetibilidade a pragas e insetos. Tanto que um dos setores com avanços mais substanciais é o monitoramento e controle de aplicação de agrotóxicos. A multinacional Syngenta, gigante global dos produtos químicos para lavoura, registrou um avanço de 400% no uso de seus sistemas de monitoramento no Brasil no último ano. O programa cobre 4,5 milhões de hectares, área que deve crescer 30% até o fim de 2020. “Em 2019, começamos a levar o sistema das grandes fazendas para o pequeno agricultor, e com a pandemia isso se acelerou”, diz André Savino, diretor de marketing da empresa.
Diante dos avanços, a academia está adaptando seus cursos às novidades. A Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), passou a oferecer em agosto a disciplina agricultura digital. “A agricultura hoje está fortemente ancorada na análise de dados”, diz Thiago Romanelli, professor da matéria. Essa é a base, por exemplo, do Projeto Cubo, desenvolvido pela Atvos, produtora de etanol e açúcar no interior paulista. Uma central localizada em Campinas se comunica por sinais de rádio com as máquinas de colheita das fazendas e processa as informações sobre seu desempenho. Nas duas usinas em que o projeto foi aplicado, as horas produtivas aumentaram em 20% e com ganhos estimados em 34 milhões de reais.
A evolução tecnológica no campo implica em desafios. Hoje, apenas 38% da população rural tem acesso à conexão 4G. Isso significa que, apesar de investirem em conectividade, muitas fazendas coletam os dados com as máquinas agrícolas off line e os transferem posteriormente para os sistemas, quando se aproximam de uma conexão. A chegada do sistema 5G promete melhorar esse cenário, com os editais exigindo das operadoras a expansão da rede rural.
Publicado em VEJA de 4 de novembro de 2020, edição nº 2711