Da dificuldade de uma experiência pessoal, Cristiane Carvalho, 38, inaugurou, uma loja virtual que comercializa produtos para crianças autistas.
Desde os quatro anos, o filho de Cristiane faz terapia. A indicação foi feita pela escola, que insistia que a criança destoava das outras e não conseguia conviver em grupo.
Com o tratamento, veio o diagnóstico de transtorno do espectro autista, o autismo. “Para mim foi um alívio, porque muitos achavam que ele era sem educação, que não tinha limites. Eu também recebia muitas críticas, apesar do peso do diagnóstico, abriu uma porta para a tolerância”, contou a empreendedora.
“Quando uma criança precisa de óculos, ninguém fala ‘Se esforça um pouco mais que você consegue enxergar’, mas com as crianças autistas as pessoas falam o tempo todo: ‘Você tem que se esforçar um pouco mais'”, completa ela.
Quando o menino nasceu, há 10 anos, Cristiane deixou a advocacia para se dedicar 100% a ele. “Trabalhar dentro de casa é mais louco do que trabalhar fora. Eu nunca parei, sempre fiquei caçando coisa para fazer com eles”, disse, também em referência à filha mais nova, de 7 anos.
Mesmo sem experiência em negócios, a dificuldade de achar produtos para o filho fez com que Cristiane decidisse iniciar o projeto. “Começou por necessidade própria mesmo. Toda vez que surgia alguma necessidade para o tratamento do meu filho tinha que procurar fora do país. Mas quando tive que trabalhar as emoções dele, só encontrava livros que não eram tão portáteis”.
A partir daí, surgiu a ideia do bracelete das emoções, com seis expressões que representam diferentes estados físicos. Inicialmente, o produto seria somente para uso da família, mas a ideia chamou a atenção de outros pais, além de psicólogos. Até mesmo crianças sem diagnóstico de autismo se interessavam pelo bracelete, como a própria filha da empreendedora.
Depois do bracelete, surgiu o livro ‘Faísca Explica: As Emoções’, que ajuda as crianças a entenderem e aprenderem a lidar com os sentimentos. Outros produtos foram desenvolvidos em sequência, como os mordedores e cardaços de silicone.
“Ajudou muito meu filho, costumo dizer que aqui é outra vida. O que eu vi acontecer em casa faz com que eu trabalhe com mais propósito”.
Atualmente, até mesmo escolas têm procurado a empreendedora para adotar os produtos, tanto em São Paulo quanto em outros Estados, como o Rio de Janeiro.
Cristiane diz que nunca pensou em voltar ao trabalho “tradicional”. “Achei que ia criar outro problema, era fonoaudiólogo, psicólogo, psiquiatra, é muita coisa para levá-lo. Teria que terceirizar meu serviço e ninguém faria como eu faço. Além disso, consigo fazer meu horário, e em uma empresa não teria essa facilidade”.
A empreendedora ainda não teve retorno do valor dos 30 mil reais investidos. Mas com a alta na procura, em dois meses ela pensa que pode começar a lucrar.
Toda a divulgação da empresa foi feita por meio das redes sociais e no boca-a-boca. A loja ainda tem que enfrentar problemas como o frete para clientes que moram longe de São Paulo.
“Quero que os produtos alcancem outras pessoas, estou procurando formas de baratear esse frete”, contou Cristiane.
Os planos de expansão incluem vendas para o exterior. Mas, novamente, os preços das remessas são altos e mesmo com o peso leve dos produtos, o preço final faz com que muitos consumidores pensem duas vezes antes de finalizar a compra.
Mesmo sem o retorno financeiro imediato, Cristiane se orgulha do trabalho. “As pessoas têm falado muito bem dos produtos. É gratificante, me sinto mais plena desenvolvendo esse outro lado e ajudando as pessoas”.
Palavra do especialista
De acordo com o médico psiquiatra do IPq (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP), Fábio Sato, todo estímulo lúdico, cognitivo, sensorial ou mesmo imaginativo é importante para as crianças com o transtorno do espectro autista, e quanto mais cedo diagnosticado, melhor.
“Se a família tem outros filhos, pode comparar o comportamento das crianças. Alguns sinais são a dificuldade na interação, estender os braços para antecipar uma ação, o distúrbio do sono, cheirar objetos, andar nas pontas dos pés e atitudes como rodar as rodas de um carrinho mas não brincar”, conta o especialista.
Quanto aos produtos criados por Cristiane, Sato diz que eles podem vir a se tornar uma forma de comunicação. “Isso é importante, ajuda a criança com déficit na linguagem. Ela passa a se comunicar por outro jeito, por meio do bracelete e de outros brinquedos e vai parar de se morder, vai se balançar menos”.
O médico ainda alerta que assim que os pais perceberem os sinais, o indicado é procurar imediatamente profissionais da saúde.