“Nos últimos cem anos, marcas de lâminas têm fingido que pelos não existem. Comerciais mostram lâminas deslizando por peles suaves e sem pelos. Estranho, não?”, diz a propaganda da marca de lâminas novaiorquina Billie.
Parece irônico classificar como “inovador” que um comercial de produtos para depilação mostre pelos. Mas o comercial da empresa, que entrega lâminas por assinatura em domicílio, contraria um tabu de seu segmento ao exibir mulheres com pernas, axilas e outras partes do corpo peludas. “Se algum dia você quiser se depilar, estaremos aqui”, diz o texto do comercial da empresa,
O discurso de empoderamento e desconstrução de estereótipos, cujo maior marco é a campanha Beleza Real, criada para a Dove em 2004, se tornou dominante na estratégia das marcas do setor de beleza.
“É muito do sentimento do tempo, a conexão entre marcas e consumidores. A publicidade não é um resultado dos padrões, ela os constrói”, afirma Mariana Cordeiro, gerente de estratégia da consultoria Think Eva. Ela afirma que a internet amplificou a voz dos consumidores, que passaram a ser mais ouvidos pelas marcas. “A gente assistia a uma peça publicitária na TV e dar um feedback para as marcas era um caminho longo e, muitas vezes, impossível”, diz.
Ainda assim, algumas fronteiras, como os pelos e a menstruação, permaneciam intocados até pouco tempo atrás. Em outubro do ano passado, pela primeira vez, uma marca de absorvente utilizou sangue de verdade para demonstrar a absorção de seu produto. A norma da indústria era utilizar um líquido azul.
Barreira regional
Segundo Cordeiro, as marcas brasileiras são pioneiras em desconstruir padrões. “A Avon colocou mulheres negras para falar de maquiagem, o que era um tabu para a marca. Se você pegar catálogos antigos, não haviam mulheres negras na capa. Hoje, isso é uma realidade”, afirma a publicitária, que trabalhou com a comunicação da gigante americana no Brasil durante três anos.
Apesar do pioneirismo, as marcas de lâmina não devem passar a mostrar pelos tão cedo no Brasil. “Vejo uma barreira regional. Por aqui, não ter pelos é sinônimo de beleza. As marcas ainda não conseguiram mudar o padrão”, afirma Cordeiro.