Marcos Galperin, CEO do Mercado Livre: Pronto para mais competição
O argentino, fundador da empresa mais valiosa da América Latina, fala sobre a concorrência, desafios de expansão e a relação entre seu país e o Brasil
Um dos homens mais ricos da América Latina, com fortuna estimada pela revista Forbes em 7,8 bilhões de dólares — o que o coloca no topo da lista de bilionários em seu país —, o argentino Marcos Galperin, fundador e presidente do Mercado Livre, se diz confiante em manter a liderança no comércio eletrônico da região, apesar da crescente concorrência de empresas asiáticas. Na entrevista a seguir, ele fala sobre o que considera trunfos do Mercado Livre, suas crenças no capitalismo e a relação Argentina-Brasil.
Como o Mercado Livre está se preparando para a chegada de novos concorrentes, como as plataformas asiáticas? Enfrentamos diferentes tipos de concorrentes há 25 anos. Nossa fórmula é focar no que fazemos bem. Temos a melhor logística no Brasil e na América Latina, com a melhor qualidade e velocidade de entrega. O Mercado Pago é outra vantagem competitiva, oferecendo pagamento e financiamento. Somos o site líder, com a maior oferta de produtos e tecnologia de ponta. Embora a competição seja forte, estamos bem posicionados e continuaremos investindo para manter nossa liderança.
Fala-se que a grande disputa pelo mercado brasileiro será entre Mercado Livre e Amazon. Vê a Amazon como a maior concorrente? Competimos com a Amazon há dez anos, e os resultados para o Mercado Livre têm sido bons. Admiramos a Amazon, a maior empresa de varejo on-line do mundo, e a respeitamos. Mas confiamos na nossa estratégia.
O Mercado Pago diversificou os negócios do grupo. Há outras iniciativas nessa direção? Estamos sempre explorando oportunidades. Recentemente, por exemplo, lançamos o streaming Mercado Play. Temos diversos parceiros com muito conteúdo, mas com dificuldade de alcançar assinantes. E nós temos mais de 100 milhões de usuários ativos no Mercado Livre e no Mercado Pago. Estamos criando um ambiente de consumo de conteúdo inovador e único na América Latina. Nossa proposta é oferecer conteúdo gratuito, monetizado por publicidade. O Mercado Play está crescendo rapidamente e tem o potencial de se tornar um grande player no mercado global de conteúdo digital nos próximos dez a vinte anos.
O senhor tem planos de expandir o Mercado Livre para fora da América Latina? A quantidade de compras por pessoa na América Latina ainda é pequena em comparação com as de Europa, China ou Estados Unidos. Nosso foco é expandir nesse espaço e apostar em inovações como o Mercado Play, entre outras que estamos lançando. Talvez, quando atingirmos 600 milhões de usuários ativos na América Latina, consideremos expandir para outras regiões. Por enquanto, com 100 milhões de usuários, ainda temos muito potencial de crescer por aqui.
O Mercado Livre nasceu na Argentina, hoje o terceiro mercado para a empresa, depois de Brasil e México. Como vê a situação da Argentina? Se você analisar as estatísticas de crescimento, inflação e pobreza, a Argentina teve a pior economia da América Latina nos últimos trinta anos. Agora está tentando mudar essa situação, mas será um processo longo e difícil. Embora a inflação esteja diminuindo, o caminho vai ser árduo e a população precisa ter paciência. Não dá para resolver todos os problemas da economia argentina em um, dois ou três anos.
O presidente Javier Milei conduz o país no rumo certo? Creio que o capitalismo e a democracia são os sistemas que podem tirar mais pessoas da pobreza. Mesmo na China, sem democracia, mas com capitalismo, centenas de milhões de pessoas saíram da pobreza. Portanto, as ideias de liberdade, capitalismo e democracia, no longo prazo, são as que mais podem gerar riqueza para a sociedade.
Rusgas entre os presidentes da Argentina e do Brasil podem respingar nos negócios do Mercado Livre? Operamos na América Latina há 25 anos e já passamos por diversos presidentes no Brasil e na Argentina. Vimos presidentes que se davam bem e outros que mantinham disputas. Mas a principal rivalidade entre Brasil e Argentina está no futebol. Fora isso, somos bastante parecidos. Brasil e Argentina são os países mais inovadores da América Latina, sempre dispostos a adotar novas tecnologias e apoiar empreendedores, o que para mim é muito importante.
O senhor é um dos homens mais ricos da América Latina e hoje há um debate global sobre taxação de grandes fortunas. O que pensa disso? É importante entender que cada ação tem suas consequências. Se você pegar a lista das dez pessoas mais ricas do Brasil e aplicar um imposto que retire 100% dessa riqueza, possivelmente isso não cobriria nem um mês do orçamento do governo brasileiro. Um mês. E depois, no segundo mês, de onde vai tirar a riqueza? Boa parte da discussão é política, gira em torno da desigualdade e de outras questões. Mas creio que a única forma sustentável de tirar pessoas da pobreza é por meio do capitalismo, gerando inovação e riqueza.
O senhor vive em Montevidéu. Houve rumores de que teria se estabelecido no Uruguai por vantagens fiscais. É verdade? Há muita gente que quer vir para o Uruguai por benefícios fiscais. No meu caso, mudei para cá em 2002. Na época, a receita do Mercado Livre era menor que a de uma pizzaria. Portanto, minha decisão foi por outros motivos. A Argentina, em 2001, teve uma crise grande, com muita violência. Eu tinha um filho pequeno e preferi que minha família ficasse no Uruguai, um lugar mais seguro na época e que continua assim. O Uruguai é um país com uma democracia estável, onde nenhum partido, de esquerda ou de direita, tenta mudar as leis sobre democracia, justiça ou capitalismo. É um país, talvez o único na América Latina, onde existe uma verdadeira separação entre igreja e Estado e é um lugar onde me sinto muito confortável.
Publicado em VEJA, agosto de 2024, edição VEJA Negócios nº 5