Mercado de capitais está voltando ao normal, diz executivo da Anbima
José Eduardo Laloni espera parceria do setor privado com BNDES, que ele define como "selo de qualidade", para alavancar crescimento
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentou ao mercado financeiro uma agenda de reformas que o governo está fazendo para melhorar o ambiente de negócios e as condições econômicas do país. Aliado ao início da queda de juros, em 13,25% ao ano, o pacote de 30 medidas tem como objetivo impulsionar o mercado de capitais, com a redução de entraves para emissão de dívidas privadas, desenvolvimento de produtos financeiros e modernização de instrumentos de crédito.
Em entrevista a VEJA, José Eduardo Laloni, vice-presidente da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) e do Banco ABC Brasil, admite que o mercado de capitais está em recuperação, já que é um setor suscetível às expectativas dos agentes. “Já tivemos alguns follows-on, volume maior de debêntures e estabilização do volume de captação”, explica.
Qual é o atual momento do mercado de capitais? Entre 2017 e 2018, assistimos a queda de juros, o que ajudou muito o público a desenvolver essa vontade de aplicar dinheiro fora do sistema tradicional. O mercado secundário de títulos também se desenvolveu bastante. Até ano passado, tivemos um avanço bem forte do mercado de capitais, tirando os seis primeiros meses de pandemia, tanto em renda fixa quanto variável. Ano passado vimos o aumento da taxa de juros, que sempre prejudica um pouco o mercado de capitais, com aversão a riscos, encurtamento de prazos… fica um pouco mais difícil. As empresas não querem mais tomar dinheiro, inibe investimentos. Só que a partir de maio deste ano começamos a ver o mercado retomando, apesar da taxa de juros muito alta, com perspectiva de queda. O mercado de capitais trabalha muito em cima das expectativas dos agentes. Ou seja: a Selic não precisa necessariamente cair para o mercado andar. Já tivemos alguns follow-ons, volume maior de debêntures. Do lado do investidor tivemos a estabilização do volume de captação, mas também grande saída de investimentos. Agora as coisas estão tentando voltar para um novo normal. A gente espera que as taxas de juros futuro continuem caindo e isso abra uma nova janela de oportunidade.
O governo apresentou duas levas de medidas de incentivo ao mercado de capitais. Qual a expectativa para elas? Esses grupos de trabalho do governo federal reunindo várias instâncias e agentes privados se formam de tempos em tempos. Essas medidas visam aperfeiçoar o nosso setor. É um grupo de trabalho que é muito bem-vindo pela Anbima e pelo mercado de capitais. Todas as vezes que juntam esses grupos acontecem avanços, que precisam ser contínuos.
Como a Anbima tem contribuído com esse mercado? Nos últimos 2 anos, trabalhamos juntos com a CVM na mudança na forma de ofertar as emissões de debêntures, tornando o processo muito mais ágil, por exemplo. Isso abriu a possibilidade de democratizar os beneficiários das ofertas, que antigamente eram só os bancos. Isso ajuda a aumentar o número de players. Mas, além disso, temos contato frequente com Ministério da Fazenda, Banco Central e BNDES. Esse programa tem como objetivo identificar pontos sensíveis e atacá-los de forma coordenada. No passado a gente tinha uma legislação que regulamentava debêntures de infraestrutura que precisavam de modernização. E isso foi feito. Fiagro, que não existia, precisava ser regulamentado. Agronegócio é um setor muito dinâmico, muito competitivo da economia que não participava do mercado de capitais. Agora participa. Isso aconteceu também com mercado de Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRI).
Quais dessas medidas anunciadas são as mais importantes? Não existe bala de prata. São todas medidas que visam desenvolver o mercado de debêntures, aumentar a oferta de crédito privado, aumentar o número de empresas que tem acesso a esses regulamentos… Quando você altera uma medida tributária, facilita a vida da pessoa física, muda o sistema, dá mais transparência e faz com que o mercado vá se desenvolvendo.
Alguma dessas medidas foi vista com desconfiança? Essas pautas que o governo está colocando nesse novo programa foram debatidas com o mercado antes de serem lançadas. São espelho daquilo que o mercado precisa. É um processo de negociação. Logicamente, é um jogo de ganho e algumas perdas. Para segurança do mercado, algumas medidas visam maior transparência e supervisão. A gente não vê como um problema.
Qual setor do mercado de capitais pode se beneficiar mais claramente das medidas anunciadas? O mercado de capitais foi responsável pelo financiamento de dívida e capital de boa parte do que foi feito na área de infraestrutura de energia. A agente espera que com esses ambiente mais estável e regras mais claras a gente retome os programas de investimento na área de energia. Esperamos que o pacote ajude a destravar outros setores, como saneamento, com grande demanda e necessidade de investimento. Acabamos de passar por mudança no arcabouço legal, que deu um impulso grande no setor privado. Mercado de capitais pode ser o grande financiador disso.
Historicamente, o BNDES sempre foi visto como antagonista ao mercado de capitais, com taxas de juros mais vantajosas. Como conciliar essas duas frentes? O BNDES é um dos melhores avaliadores de risco de infraestrutura que o Brasil tem, com uma experiência excepcional e técnicos de qualidade. É uma espécie de selo de qualidade, então eles são muito bem-vindos para financiar projetos junto com iniciativa privada. O que aconteceu no passado é que as taxas de juros são diferentes entre o BNDES e o mercado. Em todo o país do mundo há política públicas para incentivar setores que não são irrigados com o privado, então o BNDES pode ser complementar. O que precisamos é ter condições iguais. Não pode eles poderem emprestar dinheiro a 4% e o mercado a 10%. Isso pode funcionar para alguns setores, mas outros, com apetite do setor privado, devem ser feitos em parceria.