Metade das mães que trabalham afirma passar por constrangimento durante a gestação ou após o retorno da licença-maternidade, revela pesquisa do site Vagas.com, especializado em recrutamento e seleção. De acordo com o estudo, 52% das entrevistadas afirmaram ter passado por alguma situação desagradável no emprego quando estavam grávidas ou ao voltarem do período de afastamento. Entre os principais relatos, estão comentários desagradáveis (23,7%), demissão (19,9%) e falta de empatia (16,9%).
Segundo Luciana Calegari, especialista em recrutamento e seleção da Vagas.com, de uma forma geral, apesar das empresas falarem muito de diversidade e inclusão da mulher no mercado de trabalho, “o resultado não traz um cenário tão bacana”. “Ainda tem-se um longo caminho a percorrer”, afirma. O estudo foi realizado com 837 entrevistadas, usuárias do portal vagas.com, de 22 a 26 de abril deste ano.
A paulista Kátia Dias já passou por uma situação semelhante em seu antigo emprego. Ela trabalhava há três anos na área de recursos humanos de uma empresa que produz aromas para alimentos, quando decidiu se casar. Nesse momento, o relacionamento com o chefe mudou. “Ele começou a me perguntar se eu tinha vontade de ser mãe. E eu dizia que não, o que era verdade.”
Com o casamento, a pedido de sua ginecologista, Kátia começou a fazer exames mais complexos. “Ele ficava olhando as CDIs (código que fala qual é o exame) dos atestados médicos e me perguntando se eu estava grávida. Sempre foi muito desconfiado”, relata.
Logo depois, ela foi demitida. “Senti que foi porque eu estava fazendo esses exames. Ele estava com medo de que eu engravidasse e se adiantou.” Ironicamente, no entanto, Kátia descobriu dias depois da demissão que estava grávida de duas semanas, e portanto, já era gestante quando trabalhava no local. Entrou com processo na Justiça e conseguiu a indenização. “Fiquei com trauma depois disso e mudei de profissão. Estou grávida de novo, mas não tenho mais esse problema, porque virei fotógrafa e trabalho por conta própria”, desabafa.
De acordo com o estudo, os chefes são apontados como os responsáveis em 80% dos casos de preconceito ou julgamento durante a gravidez ou retorno da licença-maternidade. Em seguida, aparecerem colegas de trabalho (45,9%) e clientes ou fornecedores (6,9%). “As empresas precisam investir bem mais nesse assunto. É necessário um maior numero de mulheres na liderança para mudar esse comportamento. E ter um canal de denúncia estruturado também”, afirma Calegari.
E não são só as mães que levam isso em conta. Segundo ela, a nova geração de talentos dá muita importância ao modo que as empresas abordam, na prática, assuntos morais e sociais. “Hoje, os candidatos em um processo de seleção buscam trabalhar em um ambiente diverso, inclusivo e com um propósito. As pessoas têm muita informação sobre as empresas. Essas atitudes ficam visíveis”, explica a especialista.
Processos seletivos
Para a paranaense Francine Aparecida de Andrade, os problemas começaram antes mesmo de ter um emprego. Mãe aos 17 anos, quando ainda estava no ensino médio, ela só conseguiu um trabalho dois anos depois de dar à luz. “A primeira pergunta na hora de arranjar um emprego era sempre se eu era mãe. E quando não me contratavam, se explicavam dizendo que era necessário um equilíbrio entre trabalho e estudo, e que, com o filho, eu não conseguiria isso”, relata.
Francine conta que, depois de formada, a sina continuou. O pior momento, de acordo com ela, foi quando passou por um processo seletivo, em que existiam, além dela, duas concorrentes para três vagas. No final, Francine foi a única a não ser contratada. A empresa explicou que não queria uma mãe para o cargo. “Eles foram atrás de outra pessoa que nem tinha se candidatado.”
Para ela, as empresas não levam em conta que as mães já se planejaram para conseguir trabalhar. “Se estou procurando emprego, é porque tenho com quem deixar a criança e cuidar dela. A empresa brasileira trata a mãe como uma despesa. Já pensam que vão perder um dia, porque ela terá que levar o filho ao médico”, acrescenta.
A história de Francine não é exceção. Segundo levantamento do Vagas.com, 71% das mulheres afirmaram que, em seu último processo seletivo, foram questionadas se eram mães ou pretendiam ser.
Para a especialista em recrutamento, esse cenário impacta diretamente no planejamento familiar. O estudo mostra que sete em cada dez mulheres não pretendem ter filhos nos próximos anos. As que revelaram o desejo da maternidade somaram 18%. Outras 12% não souberam responder. Dessa mesma base que não pretende ter filhos nos próximos anos, 43% afirmaram que essa decisão está ligada à dificuldade de conseguir um emprego ou se manter no mercado de trabalho.