Metendo a faca
Paulo Guedes fala em abrir a caixa-preta do Sistema S e assusta o empresariado que comanda seu orçamento bilionário
Causou furor entre os dirigentes das entidades patronais a declaração do futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, de que pretende “meter a faca” no Sistema S, grupo de instituições privadas que oferece serviços sociais à população. Para levar o plano adiante, Guedes terá de se digladiar com um gigante. O Senai, que presta serviços sociais na área da indústria, tem 27 000 profissionais empregados e 2,3 milhões de alunos em cursos de qualificação técnica para o mercado de trabalho. O Sesc São Paulo é uma potência cultural que disponibiliza centenas de opções de lazer e deve fechar o ano com 26 milhões de visitantes em suas 44 unidades no estado.
São benefícios evidentes para a sociedade, mas isso não significa que as associações empresariais que administram essas entidades, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Confederação Nacional do Comércio (CNC), não tenham de prestar contas ao público de forma transparente. O Sistema S teve, em 2017, um orçamento de 32,2 bilhões de reais, o equivalente a quase um terço dos recursos para o Ministério da Educação no mesmo ano (107,5 bilhões de reais), mas não divulga em detalhes como gasta a bolada, para que se possa avaliar o custo-benefício. São recursos públicos — arrecadados de maneira compulsória por determinação da lei e sujeitos a auditoria do Tribunal de Contas da União — geridos a portas fechadas. É oportuna, portanto, a intenção declarada do próximo governo de abrir discussão e promover mudanças no financiamento do Sistema S.
O objetivo do futuro governo é nobre: desonerar a folha de pagamento para baixar o custo de manter um empregado com carteira assinada. Segundo Guedes, o corte poderia ficar entre 30% e 50% do valor repassado hoje para o Sistema S, mas não deu pormenores, como tem sido praxe nas intenções anunciadas desde a eleição. Coube ao futuro secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, explicar o plano: a ideia é reduzir a alíquota, que atualmente varia de 0,2% a 2,5%.
Guedes tocou em um tema tabu para o empresariado nacional. Governos anteriores tentaram mudar o Sistema S e tiveram de recuar diante da grita dos empresários. A estratégia de interditar o debate está em ação novamente. O presidente da CNI, Robson Andrade, tem afirmado que as críticas ao Senai e ao Sesi, duas entidades que ficam sob seu guarda-chuva, são fruto de desinformação. Mas nada de informar o custo de cada programa. Felizmente, algumas pessoas já perceberam que o Brasil está mudando e que a transparência não é negociável para a população quando há dinheiro público envolvido. “Da forma como funciona hoje, o Sistema S é mais uma intervenção indevida do Estado na iniciativa privada. Cabe a cada empresa decidir como investir na qualificação de seus trabalhadores”, diz Otto Nogami, professor de economia do Insper.
Publicado em VEJA de 26 de dezembro de 2018, edição nº 2614