O boom do mercado imobiliário de alto padrão
Pouca rentabilidade das aplicações de renda fixa e adoção definitiva do home office provocam uma alta sem precedentes no setor
O mercado brasileiro de imóveis de luxo tem algumas características peculiares. Ele independe do crescimento do país e, de tempos em tempos, apresenta forte expansão — mesmo se os indicadores econômicos estiverem no caminho oposto. É isso o que se vê agora. Há alguns dias, a Coelho da Fonseca, uma das principais imobiliárias desse segmento, vendeu um apartamento de 900 metros quadrados no bairro dos Jardins, em São Paulo, por 31,5 milhões de reais. Por mais que o valor seja assombroso para a maioria esmagadora dos brasileiros, negócios desse tipo não são exatamente uma raridade, pelo menos em 2020. “O mercado está superaquecido”, diz a private broker (termo em inglês para designar os profissionais qualificados para vender ao público vip) Renata Firpo, uma das principais especialistas do mercado de imóveis de alto padrão do país. “Praticamente toda semana vendemos residências de valor elevado.”
A executiva relata que há vendedores negando ofertas antes vistas como irrecusáveis. “O proprietário de uma casa de 15 milhões não está tão interessado em negociá-la, porque considera que depois não terá onde investir a quantia”, afirma a especialista. Essa é uma das explicações que justificam a intensa procura por imóveis de altíssimo padrão. Com a taxa Selic nos níveis mais baixos da história, aplicações tradicionais de renda fixa deixaram de ser atrativas. Na renda variável, o risco é elevado, especialmente em um cenário de pandemia e com incertezas sobre a capacidade de recuperação da economia no futuro próximo. Sem ter para onde correr, os muito ricos compram, portanto, imóveis. As fronteiras fechadas, que bloquearam viagens e dificultaram investimentos no exterior, também estimularam o segmento. Um terceiro fator é o avanço irrefreável do home office. Com a perspectiva de trabalhar em casa, profissionais bem-sucedidos — aqueles obviamente que ganham mais — resolveram investir em moradias. Junte tudo isso e o resultado é um mercado em ascensão como poucas vezes se viu no Brasil.
O home office desencadeou outro fenômeno: a busca por casas de campo ou até mesmo no litoral. Segundo a imobiliária Lopes, também com forte presença no segmento de luxo, a procura por imóveis desse tipo acelerou 63% durante a pandemia. Recentemente, a empresa fechou a sua maior venda durante a crise de coronavírus, uma mansão de 14 milhões de reais localizada na paradisíaca Jericoacoara, no Ceará. Corretores relatam que, na região de Campinas, Valinhos e Indaiatuba, cidades próximas de São Paulo, é quase impossível encontrar casas disponíveis em condomínios de luxo. “O coronavírus despertou a necessidade de conforto”, diz Matheus de Souza Fabricio, diretor executivo da Rede Lopes. “Essa tendência se intensificou ainda mais no alto padrão”, reforça Basílio Jafet, presidente do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Comerciais e Residenciais de São Paulo (Secovi). “É o executivo, ou empresário, que mal parava em casa e hoje descobriu que pode curtir o espaço doméstico e ainda trabalhar ali.”
Dados consolidados mostram que a tendência das moradias maiores começou em 2019, quando foram negociadas 3 300 unidades acima de 1,5 milhão de reais na cidade de São Paulo, muito acima das 2 200 do ano anterior. Em 2020, o mercado como um todo cresceu. Segundo a Secovi-SP, em julho foram vendidas na capital paulista 4 300 unidades residenciais novas, resultado 45,5% acima do mês anterior. No Brasil, de acordo com informações da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), os contratos fechados avançaram 10,5% no segundo trimestre em relação ao mesmo período de 2019. A alta expressiva da demanda resulta na valorização dos imóveis. A depender da região do país, os preços subiram entre 5% e 10%. Não à toa, empresas como Coelho da Fonseca e Lopes esperam por balanços positivos no terceiro trimestre. O luxo é chique, desde que tratado com modéstia e respeito, mas, acima de tudo, pode ser extremamente rentável.
Publicado em VEJA de 16 de setembro de 2020, edição nº 2704