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O Estado evoluído

Vencedor do Nobel em 2017 diz que há uma aceitação crescente da economia comportamental e defende a extensão de seu conceito ao campo das políticas públicas

Oferecimento de Atualizado em 4 jun 2024, 15h34 - Publicado em 22 mar 2019, 07h00

O americano Richard Thaler, de 73 anos, é considerado um dos pais da economia comportamental, o ramo da ciência humana que busca entender e explicar por que homens e mulheres tomam decisões que nem sempre são guiadas pela razão. A teoria econômica tradicional baseia-se na ideia de que o ser humano sempre considera prós e contras antes de agir. Mas hábitos, incentivos e a emoção são alguns dos fatores que pesam mais do que a lógica quando alguém faz determinada compra, em vez de poupar para a aposentadoria, ou sai da bolsa num momento de baixa das ações, por exemplo. Por suas contribuições, Thaler foi agraciado com o Prêmio Nobel de Economia em 2017. Em seu livro mais recente, MisbehavingA Construção da Economia Comportamental, lançado em português pela editora Intrínseca, ele faz um histórico da evolução desse campo e conta casos que demonstram como, de forma crescente, governos e empresas abraçam o estudo do comportamento humano para definir políticas públicas e estratégias comerciais. Professor da Universidade de Chicago, berço do liberalismo econômico moderno, Thaler conversou com VEJA por e-mail. A seguir, sua entrevista.

Os governos aprenderam a usar a economia comportamental na definição de políticas públicas? A aplicação efetiva começou em 2010, com a criação de uma equipe de insights comportamentais no governo britânico, na gestão do primeiro-ministro David Ca­meron. Nos Estados Unidos, Cass Sunstein (com quem Thaler escreveu o livro Nudge — Como Tomar Melhores Decisões sobre Saúde, Dinheiro e Felicidade) já havia sido indicado para ser o diretor do Escritório de Informação e Assuntos Regulatórios do governo. Ele fez uso de nossas ideias no desenvolvimento de algumas políticas públicas. Mais tarde, o então presidente Barack Obama criou uma equipe de ciências comportamentais e sociais. Isso foi o começo. Atualmente, existem mais de 200 equipes no mundo que criaram e testaram políticas em inúmeras áreas, da cobrança de impostos a ações para melhorar o desempenho escolar de alunos e ampliar as doações para a caridade.

Alguma experiência em particular o surpreendeu pela engenhosidade do mecanismo ou pelo sucesso conquistado? Um estudo recente tratou de analisar a crise de opioides nos Estados Unidos (mais de 70 000 pessoas morreram de overdose nos EUA em 2017). O país tem conseguido sucesso considerável usando estratégias de eficácia comprovada, como reduzir o número de comprimidos na prescrição depois de uma cirurgia e informar aos médicos se eles estão receitando mais medicamentos do que os seus colegas. Mas eu, particularmente, gosto de um novo método que é informar ao médico sempre que um ex-paciente morre de overdose. Esse tipo de feedback reduz a tendência de prescrição futura, provavelmente porque é um retorno muito evidente e pessoal.

No Brasil, como já ocorreu em outros países, a reforma da Previdência enfrenta muita resistência. Existe alguma forma de ganhar o apoio da sociedade para uma medida tão impopular como essa? Não estou familiarizado com a situação específica do Brasil, mas todo país deve lidar com o fato de que as pessoas estão vivendo por mais tempo, o que significa que a quantidade de recursos necessária para sustentá-las na aposentadoria é muito maior do que costumava ser. Isso significa que medidas como aumentar a idade de aposentadoria e as taxas de contribuição são absolutamente essenciais.

“Particularmente, gosto de um novo método que é informar ao médico sempre que um ex-paciente morre de overdose de opioides. Esse tipo de feedback reduz a tendência a prescrições futuras”

O senhor desenvolveu um modelo bem-sucedido no Reino Unido, o Poupe Mais Amanhã. Pode ser uma inspiração para países como o Brasil, que enfrentam o desafio de equacionar as contas da Previdência? Sim, o programa Poupe Mais Amanhã pode ser utilizado para aumentar gradualmente as taxas de poupança das pessoas ao longo do tempo. Se essas taxas subirem, por exemplo, 1 ponto porcentual ao ano durante um tempo prolongado, haverá uma diferença dramática nas receitas sem que ocorram muitos protestos populares, uma vez que as elevações das contribuições serão tão pequenas que a maioria das pessoas nem notará.

Em seu novo livro, o senhor diz que gostaria de notar uma maior aplicação da economia comportamental na macroeconomia. Vê algum caso em que a aplicação seria par­ticular­mente recomendável? Um exemplo aconteceu recentemente nos Estados Unidos. O presidente Donald Trump decidiu fazer um corte no imposto de renda em 2018. O Departamento do Tesouro mudou a fórmula de retenção do imposto na fonte, de modo que as pessoas passaram a ter um desconto menor e, consequentemente, obtiveram aumento em seu rendimento mensal, sem precisar esperar pela restituição dali a um ano. Aparentemente, todo mundo deveria estar feliz com o aumento do rendimento mensal. Ocorre que, com a mudança, as restituições passaram, é claro, a ser menores. E os contribuintes estão furiosos com o fato de estarem recebendo restituições menores. De acordo com a economia tradicional, os contribuintes deveriam estar satisfeitos porque seu salário ficou um pouco maior, e sobrou menos para a restituição. Acontece que as pessoas gostam de ter restituições polpudas. Nos Estados Unidos, o valor médio da restituição é da ordem de 2 500 dólares. Trata-se do que os economistas chamam de poupança forçada. Os contribuintes não fazem nada e, um ano depois, têm um dinheiro a receber. A economia comportamental poderia ter sido aplicada nessa questão.

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Há dez anos, o senhor e o jurista Cass Sunstein passaram a usar o termo nudge — algo como “empurrãozinho”, em português — para definir aspectos que influenciam as escolhas econômicas das pessoas. O senhor diria que o nudge é usado de modo apropriado? É difícil julgar se isso ocorre adequadamente. Sempre que escrevo uma dedicatória no livro, faço questão de incluir a frase “nudge para o bem”, o que é um apelo, porque as mesmas ferramentas podem ser aplicadas em nome de interesses menos nobres. Agora, é preciso dizer que trapaceiros já sabiam como usar o nudge para o mal sem precisar ler o livro.

Alguns críticos dizem que o governo não deve interferir no direito de escolha das pessoas, mesmo que o objetivo seja nobre. Como as autoridades podem identificar os limites para o uso de tais ferramentas? Se estamos falando de nudges, os governos não estão interferindo no direito de escolha das pessoas. Elas são livres para escolher. Nossa filosofia, que chamamos de paternalismo libertário, é baseada na ideia de que podemos ajudar as pessoas a fazer escolhas melhores sem dizer a ninguém o que deve fazer ou deixar de fazer. O GPS é um grande exemplo de nudge. O usuário escolhe um destino, e então o aplicativo sugere uma rota, que pode perfeitamente ser ignorada pelo motorista. No meu caso, posso dizer que me perco muito menos do que antes e não acho que meus direitos tenham sido reduzidos.

A crise financeira global aconteceu há mais de dez anos. Aprendemos as lições para evitar novas crises, aceitando que os mercados não são tão eficientes e que os investidores não são tão racionais? A história nos diz que raramente aprendemos com tais experiências. Depois de tudo, a crise financeira aconteceu apenas alguns anos após a bolha de tecnologia, ocorrida no fim dos anos 1990. A próxima crise provavelmente será diferente, mas não acredito que estejamos imunes a bolhas e crashes.

Como as pessoas podem tentar evitar os erros mais comuns que envolvem decisões econômicas? Lendo meu novo livro!

Mas qual o conselho de mais fácil aplicação na vida das pessoas? Eu gostei da minha resposta. Mas se você insiste…

Sua resposta é ótima, mas o senhor teria um conselho para dar? Um dos vieses mais comuns é que as pessoas sejam excessivamente confiantes e, assim, façam previsões absolutamente otimistas na sua vida pessoal e profissional. Uma boa maneira de remediar esse problema é acompanhar as previsões a fim de obter um feedback. Isso pode ser difícil na vida pessoal, porque nós não mantemos registros, especialmente de observações não planejadas, como quando dizemos, por exemplo, “aqueles dois conhecidos formam um casal terrível (ou um grande casal)”. Mas, no campo profissional, com frequência é possível manter um registro das previsões sobre os candidatos a vagas, o lançamento de produtos (pela própria empresa ou por um concorrente) e as condições de mercado. Fazer o acompanhamento das previsões vai ajudar as pessoas a aprender a descobrir se elas estão bem calibradas ou não. É uma boa maneira de ensinar humildade.

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“Nossa filosofia, que chamamos de paternalismo libertário, é baseada na ideia de que podemos ajudar as pessoas a fazer escolhas melhores sem dizer a ninguém o que deve fazer”

E no campo dos investimentos pessoais? Tenho um conselho simples. Compre e mantenha um portfólio diversificado que não tenha viés doméstico, ou seja, que não seja dependente demais do país de origem do investidor. E então, e esta é a parte importante, não tente acompanhar o mercado. Investidores individuais têm um histórico terrível de comprar ativos na alta e de vendê-los na baixa. Depois da crise financeira de 2008, os mercados atingiram um piso no preço dos ativos em março de 2009, mas investidores individuais não ampliaram suas aplicações em ações antes de 2012, quando o mercado já havia dobrado de valor.

O senhor acredita que o big data e a inteligência artificial facilitam a compreensão e a aceitação da economia comportamental? A inteligência artificial, o machine learning (nome dado às máquinas que aprendem) e outras ferramentas avançadas podem ajudar a reduzir o erro humano, se utilizados com sabedoria. Existem muitas aplicações na medicina, por exemplo, para ajudar nos diagnósticos. Isso pode ser particularmente útil em áreas remotas em que haja escassez de especialistas.

Que área do comportamento humano tem atraído sua atenção ultimamente? Como muitas outras pessoas, estou interessado e preocupado com a desigualdade crescente ao redor do mundo. Ao longo das últimas três décadas, quase todo o aumento de riqueza foi acumulado pelo grupo que corresponde ao 1% mais rico da população, enquanto a renda da classe média não supera a inflação do período. Estou pensando seriamente nas melhores formas de tratar de tais questões, de descobrir quais seriam as medidas mais efetivas e viáveis do ponto de vista político.

Publicado em VEJA de 27 de março de 2019, edição nº 2627

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