O impulso fundamental do setor privado para a restauração da Mata Atlântica
Com apoio empresarial, floresta nativa volta a crescer após séculos de destruição. Mas os riscos de colapso ambiental ainda são grandes

A gestora Patria Investimentos concluiu, em junho, uma fase de captação do Reforest Fund, sua primeira tentativa de obter retorno financeiro com a recuperação de ecossistemas degradados no Brasil. O projeto começa com um investimento de 100 milhões de reais na Mata Atlântica, voltado à geração de créditos de carbono e à produção sustentável de madeira, café, cacau e açaí por meio de agroflorestas e outras técnicas de regeneração do bioma. “Estamos num momento crítico de transição, na interseção entre urgência, inovação e oportunidade”, disse Virginia Guazzelli, responsável por investimentos climáticos no Patria, ao apresentar o fundo num painel organizado pelas Nações Unidas em fevereiro. Essa é só uma das iniciativas com expectativa de retorno que se unem ao esforço de preservação e restauração da Mata Atlântica no país.
Há tempos o setor privado atua — ainda que como coadjuvante — na tentativa de preservar a Mata Atlântica. Empresas pioneiras como O Boticário, de cosméticos e perfumaria, e a Suzano, de papel e celulose, abriram caminho, mas os aportes eram vistos apenas como doações, sem retorno produtivo, geralmente executados por ONGs ambientalistas. A novidade está em investimentos com objetivos empresariais claros, que aliam conservação ambiental a geração de valor econômico. Entram na conversa as empresas que precisam compensar emissões de carbono ou proteger recursos hídricos para suas atividades e as interessadas em faturar com créditos de carbono, silvicultura e agroflorestas no ecossistema mais ameaçado do país. “Grande parte das nossas operações e fontes hídricas está em áreas da Mata Atlântica. Restaurar esse território se conecta diretamente com a resiliência do negócio”, diz Carla Crippa, vice-presidente de Impacto positivo da Ambev. Tatiana Kalman, presidente para América Latina da produtora de papel e celulose Sylvamo, segue o mesmo raciocínio: “Nosso negócio depende de ecossistemas florestais saudáveis e produtivos, com desenvolvimento local. Por isso restauramos áreas de floresta e dialogamos com as comunidades”. No trabalho de campo, as ONGs agora dividem espaço com prestadoras de serviços inovadoras, como Biomas, Courageous Land, re.green e Symbiosis. “A bioeconomia não é só uma esperança para o futuro. Está acontecendo agora”, diz Adriana Kfouri, diretora da ONG The Nature Conservancy.
A iniciativa empresarial Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, atualmente com 135 empresas participantes, adota a expressão “economia da restauração”. Seja qual for o nome, o fenômeno cresce rapidamente. Um relatório da empresa de pesquisa BloombergNEF de 2024 calculou que o setor privado vinha contribuindo globalmente com 35 bilhões de dólares por ano para as “finanças da biodiversidade”, e que apenas um quarto disso poderia ser considerado “filantropia”. O relatório informava que essa categoria de investimentos superou em 25% as projeções feitas três anos antes.
A ajuda vem em um momento decisivo para a Mata Atlântica. Em 2024, o desmatamento se manteve estável após uma queda de 60% no ano anterior, segundo dados da rede MapBiomas. Não é exatamente uma boa notícia — restam apenas 12% da cobertura original do bioma, que precisa urgentemente se regenerar. Por outro lado, diante de um histórico de devastação permanente ao longo dos séculos, o fato de a destruição não ter voltado a acelerar já pode ser visto como um alívio parcial.
Desde 2006, a Mata Atlântica passou a registrar uma modesta, porém contínua, expansão de área, impulsionada especialmente entre 2022 e 2023. No total, foram recuperados cerca de 800 000 hectares — avanço iniciado com a aprovação da Lei da Mata Atlântica (Lei 11 428), que instituiu regras para o uso e a conservação do bioma, incluindo sanções como multas e detenção. Entre 2006 e 2023, 45% dos municípios das regiões com a Mata ampliaram a cobertura florestal e outros 37% conseguiram estabilizá-la. Há casos de recuperação expressiva: em Divino das Laranjeiras e São Geraldo do Baixio, no Vale do Rio Doce (MG), a área de floresta mais que dobrou, ultrapassando 3 500 hectares em cada município. Já Anagé (BA) e Ortigueira (PR) se destacaram pelo ganho absoluto, com aumentos superiores a 10 000 hectares, alcançando 111 000 e 84 000 hectares, respectivamente. Três estados — Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e São Paulo — registraram crescimento líquido da área florestal, enquanto Espírito Santo, Minas Gerais, Paraíba e Sergipe mantiveram estabilidade.

Nenhum desses dados significa que a Mata Atlântica está fora de perigo. Os fragmentos restantes são muito frágeis e o desmatamento ilegal continua disseminado. Os brasileiros (e o mundo) podem perder essa floresta para sempre. Mas o fenômeno dos últimos anos representa uma mudança importante. “Temos dados preocupantes e que dão esperança simultaneamente”, afirma Luís Fernando Guedes Pinto, diretor-executivo da SOS Mata Atlântica. “ Existe outra rota, de recuperação, de perpetuação da floresta. Temos ciência, tecnologia e capital para fazer isso.”
O empenho na restauração florestal ganha força após séculos de devastação. Entre 2000 e 2020, a América Latina e a África registraram perdas significativas de cobertura vegetal, contribuindo para a redução da área verde no planeta. A novidade está no avanço da recuperação em outras regiões: a cobertura florestal aumentou na maior parte da Ásia, da Europa e da América do Norte. A restauração de florestas tropicais é um desafio bem mais complexo que o reflorestamento em regiões temperadas, onde a biodiversidade é menor. Mas é um trabalho inadiável: sem a Mata, aumentam os riscos de secas severas, ondas de calor, surtos de doenças, pragas e uma série de desequilíbrios que já começam a se tornar rotina.
Publicado em VEJA, junho de 2025, edição VEJA Negócios nº 15