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O jogo mudou

Esqueça o controle remoto: partidas importantes dos times brasileiros em competições continentais começam a ser transmitidas no país só pela internet

Por Lucas Cunha
Atualizado em 4 jun 2024, 16h07 - Publicado em 24 Maio 2019, 07h00
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  • No princípio era o verbo, e o verbo estava no rádio. Foi um amistoso entre as seleções dos estados de São Paulo e do Paraná, disputado na capital paulista em fevereiro de 1931, que passou para a história como a primeira transmissão ao vivo no país de uma partida de futebol. Foram necessários mais 24 anos para que a proeza chegasse à TV — primeiro em preto e branco; depois, em cores. No campo, o número de câmeras começou a crescer; mais tarde vieram o tira-teima e outras evoluções. Até agora, no entanto, todas as grandes novidades nessa área haviam se dado dentro do mesmo veículo de comunicação. Este 2019, porém, ficará marcado como o ano de uma autêntica mudança de paradigma, algo que não ocorria no Brasil havia mais de seis décadas: as transmissões de futebol estão ingressando para valer na chamada era do streaming.

    O que já vinha acontecendo com os clipes de música, que migraram para o YouTube, e com as séries e filmes, sucesso na Netflix, no Globoplay e em similares, avança agora sobre os jogos dos principais campeonatos organizados pela Conmebol, que podem ser vistos no celular, tablet ou computador. A transmissão das partidas da Copa Sul-­Americana — em que ainda têm chance Corinthians, Atlético Mineiro, Fluminense e Botafogo — tornou-se exclusividade do maior canal de esportes 100% on-line do planeta, o britânico DAZN, que cobra 37,90 reais por mês pelo serviço. Já o Facebook é o dono dos jogos de quinta-feira da Libertadores, campeonato no qual se mantêm na briga Athletico Paranaense, Flamengo, Palmeiras, Cruzeiro, Grêmio e Internacional, e nada cobra dos usuários. “O esporte sempre foi o grande motivador das pessoas para assinar a TV fechada, e agora vai ser o motor da popularização da banda larga. Os torcedores não vivem sem seu futebol”, diz John Skipper, presidente mundial do DAZN (veja a entrevista).

    A virada era inevitável. O basquete americano, por exemplo, já tinha experimentado uma parceria com o Twitter para transmitir alguns jogos dentro dessa rede social; o negócio deu tão certo que a NBA decidiu seguir pelo caminho do streaming sozinha — e hoje oferece um pacote de assinaturas ou partidas avulsas diretamente ao consumidor. Mesmo no Brasil, a transmissão de alguns campeonatos internacionais de futebol já havia se transferido para a web. A Liga dos Campeões, a principal competição de clubes europeus, passou na Rede Globo pela última vez em 2017, e em 2018 alguns de seus jogos só podiam ser acompanhados dentro do Facebook. A grande mudança ocorrida em 2019 foi a mordida que a empresa de Mark Zuckerberg e o DAZN — do magnata Len Blavatnik, cuja fortuna vem do petróleo russo — deram no mercado das TVs tradicionais (é preciso um bolso bem fundo para fazer frente a Globo, Fox e ESPN). Ao atraírem para si parte do público de algumas das principais partidas das equipes brasileiras, as duas companhias atacaram uma audiência cada vez mais fundamental das televisões. Como é muito fácil para o telespectador mudar de canal durante os anúncios em novelas e telejornais — ou pular a publicidade dos programas on-line —, o futebol ao vivo é a atração mais importante para ganhar dinheiro com a propaganda, já que nenhum torcedor ousa desgrudar os olhos da tela. “Grandes campeonatos de futebol, NFL e NBA têm a facilidade de angariar um público fiel, pois as pessoas não costumam se esquivar dos anúncios. Ninguém quer assistir ao Super Bowl no dia seguinte”, explica Paul Hardart, professor da New York University Stern School of Business.

    Os canais de TV a cabo ou por satélite estão ainda mais alarmados que as emissoras abertas. Enquanto há no Brasil 17,2 milhões de assinantes de TV fechada, 500 000 a menos do que há dois anos, já são mais de 30 milhões de domicílios com internet de banda larga. Por muito tempo prevaleceu a ideia de que o público se recusava a pagar por conteúdo on-line. A Netflix mostrou que isso ficou no passado. A previsão é que o novo mercado alcance 383 milhões de pessoas e movimente 64 bilhões de dólares por ano até 2021. E a publicidade na web oferece muito mais possibilidades do que na televisão (além de ser mais barata). Por essa razão, o Facebook não tem a menor intenção de começar a cobrar assinatura.

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    Publicado em VEJA de 29 de maio de 2019, edição nº 2636

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