O que esperar do Open Banking, que entrará em operação no Brasil em 2021
A concentração deve diminuir, multiplicando as opções de investimento, seguros, compras e financiamento ao consumidor
O comprador escolhe o carro na concessionária e, em minutos, inúmeras opções de financiamento aparecem no celular, organizadas por taxas de juros, número de parcelas e valores. O mesmo comprador tem conta-salário em um banco, investe suas economias em outro e paga as prestações da casa própria em uma terceira instituição, cujas condições de financiamento foram melhores do que todas as outras oferecidas. Suas informações financeiras estão consolidadas em um superaplicativo baixado no smartphone, sem ter de passar por nenhuma porta giratória. Se quiser, ele ainda consegue acessar as mesmas informações no seu app de mensagens, por onde, inclusive, acabou de adquirir uma camisa em sua loja virtual favorita sem ter precisado entrar no site dela. As cenas aqui relatadas não saíram de um filme de ficção científica nem são a realidade futura exclusiva de países desenvolvidos como Japão e Alemanha. É assim que funciona o Open Banking, o sistema financeiro aberto que entrará em operação no Brasil já em 2021.
A novidade era aventada havia algum tempo, mas ganhou forma e impulso quando Roberto Campos Neto tornou-se presidente do Banco Central (BC), em fevereiro de 2019. A instituição financeira mais relevante do país — que, entre outras atribuições, afere a qualidade do sistema — vinha estudando formas de reduzir a concentração bancária brasileira. Segundo relatórios do próprio BC, 81% dos ativos comerciais estão em três grandes instituições privadas (Itaú, Bradesco e Santander), uma pública (Caixa Econômica Federal) e uma mista (o mais que bicentenário Banco do Brasil). Para efeitos de comparação, esse nível de concentração é superior ao da maioria das economias emergentes e destoa especialmente dos países mais avançados, como Itália, Reino Unido e Estados Unidos, cujos respectivos porcentuais giram em torno de 50%.
O desafio, entretanto, era tornar o ambiente mais competitivo para o benefício de pessoas e empresas, sem abalar os alicerces de um sistema que, apesar de concentrado, mostrou-se bastante sólido diante de sucessivas crises ao longo dos últimos anos. O surgimento das fintechs (bancos sem agência física) atraiu milhões de correntistas, principalmente os mais jovens, enquanto a portabilidade de contas-salário, previdência privada e financiamentos imobiliários agitou um pouco as águas calmas onde navegam os gigantes do segmento.
No entanto, o usuário final — o correntista — nunca teve real controle sobre seu maior bem: os dados financeiros. Quem já tentou transferir para outro banco a conta em que recebe seus proventos provavelmente é testemunha da burocracia que se enfrenta para realizar tal operação. Por que, então, seria diferente com o Open Banking? A resposta, segundo o BC, está em três pilares: arcabouço legal, normatização e padronização de alta tecnologia, com o uso de softwares avançados, chamados de inteligência artificial.
Em 2018, foi aprovada a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que entrou em vigor em setembro do ano passado. Ela estabelece que os dados cadastrais e financeiros são um direito inalienável do cidadão e só podem ser compartilhados com a expressa autorização dele. O BC foi além e criou uma norma fundamental: na implementação do Open Banking, a troca de informações entre agentes financeiros só poderá ser feita por meio de API (recomenda-se memorizar essa sigla, pois ela será ouvida à exaustão nos próximos anos). Não haverá, portanto, formulários manualmente preenchidos flanando por aí. O API (Application Programming Interface) é o que executará o código da inteligência artificial, permitindo que programas de diferentes instituições conversem entre si. Mais de 1 000 delas estão obrigadas a aderir conforme cronograma estabelecido (veja o quadro). Fintechs e bancos pequenos poderão oferecer serviços se assim o desejarem, contanto que respeitem o regime de reciprocidade, ou seja, eles terão de compartilhar dados de seus próprios clientes — se eles autorizarem, é claro. Intermediadoras de pagamentos, operadoras de cartões e seguradoras se juntarão ao novo ambiente em etapas.
Espera-se que a consolidação do Open Banking facilite o crédito, reduza os juros dos financiamentos e cheque especial, aumente o número de serviços, crie opções customizadas de seguro, permita pagamentos on-line dentro das redes sociais e aplicativos de mensagens, sem a necessidade de sair do ambiente, e diminua o uso de cédulas e moedas. Outro efeito colateral será a extinção de todas as taxas bancárias, algo que o Pix, sistema de pagamentos instantâneo, já está parcialmente fazendo — mais de 87 milhões de operações foram realizadas na primeira quinzena de janeiro. Estima-se que os cinco grandes bancos venham a perder, ao todo e anualmente, mais de 100 bilhões de reais em receita advinda de margens, comissões e serviços a pessoas físicas e jurídicas — soma que, por outro lado, poderá ser amplamente compensada com dinheiro novo injetado no mercado, além de oportunidades inéditas de negócios.
Não é exagero afirmar que o Open Banking brasileiro tem um escopo mais ambicioso que o instituído, por exemplo, no Reino Unido, que se limita às contas-correntes e concessão de crédito. Se o novo cronograma for respeitado (o primeiro foi postergado em alguns meses a pedido dos bancos devido aos impactos da pandemia), o Brasil estará na vanguarda do sistema financeiro aberto, ainda incipiente mesmo em potências como Estados Unidos e União Europeia. Trata-se, sem dúvida, de uma notícia alvissareira para um país acostumado a oligopólios e excessiva acumulação de produtos e serviços em poucas companhias. Como diz um bem-humorado ditado apócrifo, “o brasileiro vai adorar o capitalismo no dia em que o conhecer”. E é possível que seja agora.
Publicado em VEJA de 3 de fevereiro de 2021, edição nº 2723