Em 1997, Steve Jobs retornou ao posto de presidente executivo da Apple após um nebuloso afastamento, que havia durado doze anos. Sua missão não era nada fácil. A empresa contabilizava prejuízos em série e parecia ter perdido a capacidade de inovar. Jobs precisou de uma década para apresentar ao mundo, em 2007, a primeira versão do iPhone, que não apenas colocaria a Apple de volta nos trilhos como tornaria seu smartphone um dos objetos mais revolucionários de todos os tempos. Neste momento, a companhia da maçã vive uma nova fase negativa, embora de gravidade menor. Nos últimos meses, tropeços em diferentes áreas de negócios puseram novamente sua vocação inovadora em xeque. O problema é que Jobs não está mais aqui — ele morreu em 2011.
O ano de 2024 tem sido especialmente difícil para a Apple. Lançados nos Estados Unidos em fevereiro, os óculos de realidade virtual Vision Pro prometiam inaugurar uma nova era na interação tecnológica entre homens e máquinas. Os primeiros usuários, contudo, decepcionaram-se com o dispositivo. Entre outras reclamações, afirmaram que os óculos são pesados demais, desconfortáveis de usar e provocam dor de cabeça. O preço elevado — 3 500 dólares — também é um entrave, embora a empresa pretenda lançar no mercado modelos mais baratos. “A hora de errar é essa mesmo, porque falhar com baixa escala é muito melhor”, diz Benjamin Rosenthal, professor de marketing da Fundação Getulio Vargas e pesquisador da cultura de consumo.
Não se trata de um deslize isolado. Há alguns dias, a companhia anunciou o fim do Apple Car, projeto de carro elétrico que a faria debutar na indústria automotiva e competir diretamente com a Tesla, de Elon Musk. Com o fracasso da empreitada — que consumiu recursos por pelo menos uma década —, os funcionários envolvidos no projeto foram transferidos para pesquisas relacionadas à inteligência artificial. A Apple está atrasada na corrida da IA. Pesos-pesados do ramo tecnológico, como Google, Microsoft e Nvidia, lideram essa corrida, mas a Apple ao menos parece disposta a tentar recuperar o tempo perdido. Tanto é assim que o CEO Tim Cook prometeu novidades envolvendo IA generativa “ainda neste ano”.
Como se não bastasse, as vendas do iPhone na China, terceiro maior mercado da Apple, cederam 24% nas primeiras seis semanas de 2024 versus o mesmo período de 2023, de acordo com pesquisa da consultoria Counterpoint. No país da Muralha, a empresa enfrenta o recuo dos gastos dos consumidores e a concorrência interna de gigantes como Huawei e Xiaomi, além do aumento das sanções governamentais a aparelhos eletrônicos estrangeiros. Quedas nas vendas de smartphones representam uma ameaça, já que os celulares respondem por mais da metade das receitas da Apple. No ano passado, seu faturamento global caiu 3%, o pior desempenho desde 2016. Como sempre ocorre nessas situações, as ações negociadas em bolsa passaram a refletir o mau momento da Apple, que foi ultrapassada pela Microsoft como a empresa mais valiosa do mundo.
Ainda que o cenário seja desafiador, a Apple mantém-se como uma das grandes referências tecnológicas de nosso tempo. Ela continua líder absoluta em smartphones, com uma fatia de 25% do mercado mundial, enquanto a segunda colocada, a sul-coreana Samsung, detém 16%. Altos e baixos são comuns no universo das big techs — a Microsoft, para citar apenas um exemplo, também enfrentou solavancos em sua trajetória e reencontrou-se agora, com o ChatGPT. Não convém duvidar da capacidade da Apple para recuperar a velha forma. Basta um acerto para a empresa, mais uma vez, mudar o mundo.
Publicado em VEJA de 8 de março de 2024, edição nº 2883