Os bastidores da queda do presidente da Caixa após denúncias de assédio
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Levando-se em conta parâmetros técnicos e políticos, a trajetória de Pedro Guimarães como presidente da Caixa poderia ser caracterizada como um modelo de sucesso dentro do governo de Jair Bolsonaro. Próximo do presidente da República, ele se tornou um dos mais assíduos convidados a aparecer a seu lado em eventos e pronunciamentos. Apenas no canal oficial do presidente no YouTube, é convidado do chefe em cerca de trinta vídeos, a maioria deles parte do acervo das lives semanais do mandatário. Na esfera profissional, Guimarães entregou ao governo bons resultados à frente do banco estatal, como o pagamento do auxílio emergencial, que vigorou durante a pandemia, o atual Auxílio Brasil, que substitui o Bolsa Família, e o programa habitacional Casa Verde e Amarela. Na terça-feira 28, tal situação mudou radicalmente. Enquanto participava de evento de entrega de moradias populares em Maceió, foi informado de que seriam reveladas, no mesmo dia, denúncias de ter assediado sexualmente pelo menos cinco funcionárias da Caixa. No dia seguinte, já estava claro logo cedo que, apesar das boas relações com o presidente, sua gestão à frente do segundo maior banco estatal do país havia chegado ao fim. Depois de um longo e constrangedor silêncio por parte do Palácio do Planalto, a quarta-feira se encerrou com a economista Daniella Marques, até então secretária de Produtividade e Competitividade do Ministério da Economia, em seu lugar à frente do banco.
As denúncias de assédio sexual contra Guimarães, em investigação que corre no Ministério Público Federal em Brasília, foram divulgadas pelo site Metrópoles. Elas relatam abordagens indesejadas, contatos físicos deliberados e desrespeitosos e linguagem abusiva ocorridos principalmente em hotéis durante as muitas viagens de Guimarães (foram cerca de 150) e sua equipe para divulgação de programas do banco pelo país. “Havia rumores dentro da Caixa, mas até então nada concreto havia sido levado ao conselho que demandasse qualquer tipo de ação. Fiquei bastante indignada e assustada com os relatos”, diz Maria Rita Serrano, representante dos funcionários no conselho de administração do banco, que agora pede esclarecimentos aos órgãos internos de denúncias. No dia 3 de maio, uma das denunciantes procurou a área de corregedoria da Caixa e uma investigação formal foi iniciada. Ela relatou situações em que havia sido “apalpada nas nádegas” e “convidada para ir ao quarto dele” em viagens. Quando o caso se tornou público, a área investigava não apenas a denúncia em si como a participação de outros funcionários no acobertamento dos episódios e até mesmo o vazamento da apuração, que deveria ocorrer em sigilo, para o próprio Guimarães. Liderado pelo presidente Rogerio Bimbi, o conselho de administração do banco agora vai contratar uma auditoria externa para continuar a investigar todo o episódio.
Antes de entrar no governo, em 2019, Pedro Guimarães já havia angariado fama de temperamental e excêntrico em suas passagens por instituições como Santander, BTG e Banco Plural. Tanto que ganhou o apelido de “Pedro Maluco”, pela quantidade de confusões em que se metia. Logo após sua nomeação, a coluna Radar publicou uma passagem sobre uma festa de fim de ano no banco espanhol em que Guimarães teria agredido uma colega de trabalho e foi demitido. “Ele era considerado o cara mais descompensado do mercado financeiro”, lembra um ex-sócio. A aproximação com Bolsonaro se deu em 2017, quando o presidente ainda era um pré-candidato com poucas chances de vitória. Na época, Guimarães promoveu reuniões de apresentação do político a investidores em Nova York e Boston. Dessa forma, conseguiu vencer a resistência do círculo próximo do candidato para assumir um cargo importante no novo governo, mesmo sendo casado com a filha de Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS e delator-chave na Operação Lava-Jato.
Apoiado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, por rezar a cartilha do enxugamento da máquina pública, Guimarães logo percebeu que poderia ser mais útil aos interesses do chefe com outra estratégia. Já nos primeiros meses, passou a defender que a Caixa deveria ser preservada de futuros programas de desestatização. Com sinal verde do presidente, trocou 105 dos 120 principais executivos do banco, anunciou redução de taxas de juros para a casa própria e turbinou a instituição com o auxílio emergencial. A Caixa avançou com apetite até em terreno tradicional do Banco do Brasil, na concessão de crédito rural.
Seus acenos frequentes ao bolsonarismo despertaram dois boatos que ele nunca fez questão de negar com convicção: o de que estava a postos para assumir a qualquer momento o lugar do chefe Paulo Guedes à frente da pasta da Economia e o de que empunharia a bandeira do ex-capitão nas eleições deste ano, fosse como candidato a deputado, a senador e, na falta de uma escolha natural, até a vice-presidente na chapa da reeleição. Desconhecido fora dos círculos de apoio a Bolsonaro, Guimarães acabou convencido a desistir da incipiente carreira política. Com as revelações sobre seu comportamento, essas opções teriam sido ainda mais desastrosas.
Em circunstâncias habituais, seria muito difícil que um caso como o que envolveu Guimarães resultasse no afastamento sumário de um auxiliar de tamanha confiança de Bolsonaro. A menos de 100 dias do primeiro turno, no entanto, o cálculo foi, mais do que tudo, político. Depois da acusação de assédio, Guimarães se reuniu com o presidente no Palácio da Alvorada e ouviu que precisava entregar o cargo para que o episódio, tratado por bolsonaristas como “questões pessoais”, não respingasse na imagem do governo. A escolha de Daniella Marques, braço direito de Guedes, como nova presidente do banco foi pensada para, segundo o senador Flávio Bolsonaro, “dar uma resposta mais do que clara” de que o governo não compactua com agressões a mulheres e marcar posição frente ao eleitorado feminino. Segundo o Datafolha, apenas 21% das mulheres dizem votar em Bolsonaro, ante 49% que preferem o ex-presidente Lula.
Na carta de demissão, Guimarães nega os assédios, diz que vive uma “situação cruel, injusta, desigual e que será corrigida na hora certa com a força da verdade”. Afirma ainda que pediu demissão para não “prejudicar a instituição ou o governo sendo um alvo para o rancor político em um ano eleitoral”. Nos vários eventos de que participou ao longo do dia 29, Bolsonaro não se pronunciou sobre as acusações contra Guimarães.
Publicado em VEJA de 6 de julho de 2022, edição nº 2796