Demorou, mas o Congresso Nacional pôs fim a uma das principais angústias do governo neste fim de ano. Na quarta-feira 16, o Legislativo aprovou de lavada, por 444 votos a dez, a Lei de Diretrizes Orçamentárias, a LDO, um dos passos para a definição dos gastos da União para 2021. O texto havia sido apresentado em abril. Se não fosse apreciado, o país corria o sério risco de ter as contas travadas já em janeiro, em meio à mais grave crise de saúde vivenciada pela atual geração. A trajetória foi conturbada, uma vez que não houve sequer a criação de uma Comissão Mista de Orçamento, atrapalhada pela guerra política da sucessão de Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP) nas suas respectivas presidências. Auxiliares do ministro da Economia, Paulo Guedes, temiam que o Parlamento “empurrasse a questão com a barriga”. Há poucas semanas, eram consideráveis as chances de a LDO não ser votada neste ano — e, se isso acontecesse, o governo não poderia gastar um centavo depois de 2021 começar, nem mesmo para pagar salários. Na reta final, no entanto, o espírito público falou mais alto.
Na manhã da quarta-feira 16, dia da votação, partidos da oposição bateram o pé quanto à menor previsão de repasses para a educação no texto. Membros da equipe de Guedes qualificaram a manobra como “puro teatro”. De fato, uma vez encerrada a sessão, o placar mostrou exatamente isso. Numa manifestação performática, parlamentares do PT subiram ao palanque para denunciar o que chamaram de desmonte da educação, mas foram agraciados com um acordo nos bastidores. Hábil negociador, o líder do governo no Congresso Nacional, o senador Eduardo Gomes (MDB-TO), garantiu a votação de projetos defendidos pelos partidos de esquerda, por meio de emendas e projetos de lei, para dar um reforço no orçamento do Ministério da Educação. Segundo o acordo, o relator da LDO, o senador Irajá Abreu (PSD-GO), classificou os recursos para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) como livres de contingenciamento.
Ao elaborar a primeira versão da LDO, ainda em abril, o Ministério da Economia recorreu a uma certa invencionice: uma meta flexível para o déficit previsto para o ano que vem. A justificativa era a pandemia de coronavírus e as incertezas decorrentes da crise sanitária que provocou. Depois de uma manifestação do Tribunal de Contas da União de que a falta de uma meta fixa poderia implicar em crime de responsabilidade fiscal por parte do presidente Jair Bolsonaro, a equipe de Guedes recuou. No fim, acabou estipulando um déficit de 247 bilhões de reais, em uma reunião realizada na véspera da votação com técnicos da equipe econômica e o senador Gomes. “Sem a votação da LDO, a agenda de reformas ficaria travada no ano que vem. Era fundamental que o texto fosse aprovado”, diz Alexandre Manoel, ex-secretário do ministério.
Entre idas e vindas, os congressistas também cobraram a fatura, acumulando ganhos para o ano que vem. O texto aprovado amplia de 15,4 bilhões de reais para 16,3 bilhões de reais os recursos destinados a emendas parlamentares — verba destinada tanto à manutenção da estrutura dos gabinetes quanto para obras em redutos eleitorais. Esse valor se soma às despesas que o governo pode dispor livremente, previstas em 83,9 bilhões de reais. Somados, haverá 100,2 bilhões de reais para investimentos, a menor quantia desde 2011. É um risco que pode induzir o governo a desrespeitar o teto de gastos ou até mesmo a um shutdown, quando a máquina administrativa para. Isso tornará a aprovação das reformas estruturais ainda mais importante para 2021. Guedes começará o ano mais aliviado. Mas nem tanto.
Publicado em VEJA de 23 de dezembro de 2020, edição nº 2718