Os impactos da condenação que ameaça o reino do Google
Movimento judicial poderá reduzir o seu campo de influência e provocar repercussões na própria internet
Desde o seu surgimento, em 1998, o Google se tornou não apenas um gigante empresarial, mas, acima de tudo, uma força cultural que molda a forma como bilhões de pessoas acessam informação. O mecanismo de busca, de fato, é onipresente: no mundo, 90% das pesquisas feitas pela internet passam por ele — que, afinal, escolhe o que devemos ler. Não à toa, seu campo de influência é colossal, indo dos negócios ao entretenimento, da comunicação à política. Até pouco tempo atrás, essa hegemonia parecia inabalável. Nos últimos dias, contudo, o Google vem enfrentando pressão inédita, que poderá de alguma forma reduzir o seu domínio. Segundo investigações conduzidas pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos, a empresa pagou para que outras big techs, em especial Apple e Samsung, assegurassem que a sua ferramenta de pesquisa fosse o aplicativo padrão em celulares e outros dispositivos. As parcerias estratégicas, disseram as autoridades americanas, aniquilaram a concorrência e feriram a liberdade de escolha dos consumidores.
O rumoroso processo condenou o Google por monopólio, mas ainda não definiu as penalidades que serão aplicadas. “O mais provável seria uma liminar contra os contratos exclusivos que garantem sua posição como mecanismo de busca padrão”, disse a VEJA Rebecca Haw Allensworth, professora de direito antitruste na Universidade Vanderbilt, nos Estados Unidos. Uma cisão — ou seja, a divisão do grupo em empresas menores — seria a punição mais severa, mas que parece improvável neste momento. “Isso se deve tanto à raridade de medidas desse tipo quanto à falta de evidências de que a conduta nesse caso justifique a penalidade.”
A condenação do Google sinaliza possíveis mudanças nas leis antitruste dos Estados Unidos para o setor de tecnologia. Embora a dominância da empresa seja inegável, o fato de oferecer serviço gratuito e acessível desafia o foco tradicional da legislação concorrencial, que historicamente prioriza questões como preços. O caso, de fato, poderá ter grande influência nos tribunais. “Se um juiz enxerga monopolização de tecnologia nesse episódio, provavelmente outros também verão”, diz Allensworth. Para entender melhor o que está em jogo, é necessário revisitar um caso semelhante. Em 2001, a Microsoft foi condenada por práticas monopolistas ao vincular o seu navegador, o Internet Explorer, ao, também seu, sistema operacional Windows. Como penalidade, a empresa foi multada em 1,3 bilhão de dólares e forçada a permitir que os consumidores escolhessem seu navegador padrão. Embora tenha resistido por algum tempo, o Internet Explorer acabou perdendo relevância ao longo dos anos.
Não é possível dizer que o mesmo ocorrerá com o Google. As implicações da condenação para o seu reinado estão envoltas em muitas dúvidas. A Alphabet, controladora da big tech, tem a opção de recorrer à Justiça, o que poderá arrastar o processo por anos. Além disso, a estratégia de introduzir uma “tela de escolha” para os usuários talvez não traga os resultados esperados. Essa abordagem foi implementada, a partir de 2019, em dispositivos Android na Europa, onde o Google enfrenta uma série de ações por práticas anticompetitivas. Apesar disso, o impacto foi limitado: o Google continua a dominar o mercado com larga margem, controlando 62% das buscas no velho continente. “A União Europeia tem sido malsucedida em promover a concorrência com a exigência de telas de escolha”, reforça o advogado especializado em antitruste Jonathan Rubin, sócio do escritório MoginRubin, sediado em Washington.
Outras penalidades possíveis incluem forçar a Alphabet a vender a ferramenta de busca ou separá-la de seu negócio de publicidade. No entanto, ambas as opções apresentam desafios significativos. “O custo para adquirir o Google Search seria astronômico, e qualquer empresa que tentasse comprá-lo enfrentaria um escrutínio regulatório intenso”, afirma Max Willens, analista de mídia digital na empresa de pesquisa Emarketer. Nesse contexto, a aplicação de multas seria a penalidade mais branda. Para uma empresa com avaliação de mercado de aproximadamente 2 trilhões de dólares, sanções monetárias podem não ser suficientes para fazê-la mudar o curso dos negócios. De seu lado, Sundar Pichai, presidente do Google, defende que a liderança nos serviços de busca é resultado da superioridade de seu produto, o que tem certo fundo de verdade. Isso, porém, não justifica desembolsar fortunas para impedir que os consumidores tenham acesso a produtos criados por rivais. Como os próprios americanos ensinaram ao mundo, o livre mercado é o melhor caminho a ser seguido.
Publicado em VEJA de 16 de agosto de 2024, edição nº 2906