Os impactos políticos do aumento dos juros no Brasil e nos EUA
A instabilidade na economia global resultante da invasão da Ucrânia adiciona mais um elemento de risco aos planos de Joe Biden e Jair Bolsonaro
Em um espaço de quatro horas, na quarta-feira 16, dois movimentos expuseram a certeza de que as economias entraram definitivamente em um cenário em que as altas de juros serão parte da realidade, depois dos generosos estímulos para conter a perda de atividade durante a pandemia de Covid-19. Por volta das 15 horas (horário de Brasília), o banco central dos Estados Unidos, o Federal Reserve, oficializou o já antecipado aumento dos juros, um movimento que vinha sendo discutido havia cerca de um ano e meio. Já, às 19 horas, foi a vez de o Banco Central do Brasil confirmar mais um aumento da Selic, pela nona reunião consecutiva do seu Comitê de Política Econômica, elevando a taxa para 11,75%.
O movimento feito na América do Norte chamou especial atenção. Não apenas por se tratar da maior economia do planeta, mas também por ser a primeira alta empreendida pelo Fed desde 2018. Durante a crise da pandemia, o Fed, comandado por Jerome Powell, adotou a política de baixar os juros americanos para o patamar na faixa de 0% a 0,25%. Mas, com a retomada pós-Covid 19 trazendo um descompasso entre oferta e demanda, a inflação disparou nos últimos meses. A alta dos preços para o consumidor nos Estados Unidos atingiu 7,9%, no acumulado de doze meses até fevereiro, a maior em quatro décadas. Quando a expectativa era de arrefecimento, veio nova surpresa: a invasão militar da Ucrânia pela Rússia.
A crise militar na Europa afetou as cotações de petróleo, que têm variado nas últimas semanas num intervalo entre 95 e 140 dólares, e levou a uma série de sanções contra o governo russo, com impactos na economia global. Como resposta a esse cenário, o Fed ampliou, nesta semana, a taxa de juros em 0,25 ponto porcentual e indicou aumentos da mesma magnitude para as próximas sete reuniões do ano, podendo fechar 2022 próximo aos 2%. “Até outubro, o Fed insistia que a inflação era passageira, e agora tem de sair correndo atrás do prejuízo”, diz o ex-secretário de política econômica do Ministério da Fazenda José Roberto Mendonça de Barros.
O desafio para o Fed será acertar a dosagem, sem prejudicar a recuperação econômica. Um influente estudo publicado em 1997 que tinha como coautor o economista Ben Bernanke concluiu que as recessões que se seguiram aos choques do petróleo de 1973, depois da Guerra do Yom Kippur, e de 1979, com a Revolução Iraniana, foram causadas por um excesso de juros como resposta às altas dos preços. Em 2010, quando Bernanke era presidente do Fed e um novo choque do petróleo atingiu o mundo, ele evitou cometer o mesmo erro e não houve recessão. É o que o seu sucessor, Powell, deseja repetir.
No Brasil, as opções do presidente do BC, Roberto Campos Neto, são muito mais limitadas que as de seu par americano. Aqui, a alta da Selic iniciada já no primeiro semestre de 2021 teve de ser reforçada com a guerra e há quem acredite que ela possa atingir os 14% e permanecer nas alturas por mais tempo (o que reforça a opção dos investidores por fundos de renda fixa e o afasta da bolsa). Existe grande risco de o Brasil não atingir a meta de inflação por três anos seguidos, depois de falhar no objetivo em 2020, quando ela superou os 10%.
No Brasil, o problema não ficou restrito só ao aumento de preços do petróleo e de outras commodities. Durante a pandemia, o risco fiscal trouxe imensa incerteza aos mercados financeiros. Para piorar, semanalmente, o presidente Jair Bolsonaro e os congressistas têm levantado ideias de gastos adicionais e isenções de impostos com cunho claramente eleitoreiro. “Não se trata de dizer que o governo não possa ter políticas de proteção às famílias mais pobres. O problema é como elas são financiadas. Não dá para, ao mesmo tempo, fazer programa social e jogar dinheiro em emendas parlamentares e em gastos meramente de cunho eleitoreiro”, diz Gustavo Loyola, ex-presidente do BC.
Tanto para Bolsonaro quanto para o presidente americano Joe Biden, a inflação — ao fazer a população perder poder de compra — vai se provar decisiva para as suas pretensões eleitorais neste ano. O brasileiro concorre à reeleição e até o momento sofre forte ameaça de perder o cargo, conforme apontam as pesquisas de intenção de voto. Biden, por sua vez, enfrentará uma eleição legislativa no início de novembro e pode perder a frágil vantagem de seu partido no Congresso. Mas também, se o efeito dos juros altos causar mais desemprego e estagnação, a economia acabará selando definitivamente o destino de ambos os políticos.
Colaborou Larissa Quintino
Publicado em VEJA de 23 de março de 2022, edição nº 2781