Os problemas do projeto de lei que muda o ICMS para os combustíveis
Técnicos da equipe econômica admitem que impactos serão apenas imediatos e defendem uma solução estrutural
O filósofo e matemático francês René Descartes (1596-1650) resumia bem um dos grandes dilemas para as questões importantes: não existem respostas fáceis para problemas difíceis. É uma máxima que se aplica bem às alternativas buscadas pelo governo federal e pelo Congresso para tratar da forte alta dos combustíveis, um componente relevante na disparada da inflação que mina a popularidade do presidente Jair Bolsonaro. Os preços nos postos viraram um assunto inflamável nos corredores do Palácio do Planalto e da Câmara dos Deputados. Dono de uma linha de raciocínio simples — quando não simplória —, Bolsonaro tenta repassar a responsabilidade para os governadores, uma vez que o ICMS dos estados é o imposto que tem mais peso na composição do preço final dos combustíveis.
De fato, a tarifa é alta e varia entre 25% a 34% do preço, de acordo com a unidade da federação. Mas na composição do elevado preço atual apenas reflete o aumento do custo do petróleo internacional — que é utilizado como referência para a política de preços da Petrobras — e a disparada do dólar, por causa das instabilidades fiscais e políticas causadas pelo governo Bolsonaro. E, para prejudicar ainda mais o raciocínio, em cinco anos a participação média do ICMS no preço da gasolina caiu de 28% para 27,5%, enquanto os impostos federais Pis/Pasep, Cofins e Cide subiram de 9% para 11,3%.
Na quarta-feira 13, o presidente da Câmara e apoiador do governo, Arthur Lira (PP-AL), conseguiu, em mais uma blitzkrieg no plenário, aprovar um projeto de lei para alterar o cálculo do ICMS, que passaria a ser fixado anualmente considerando a média de preço dos dois anos anteriores, e não mais como uma porcentagem em relação ao preço de venda, calculada a cada quinze dias. Em mais uma demonstração do poder de influência que possui na Casa que preside, Lira conseguiu aprovar a matéria, depois de três horas de articulações, pelo placar de 392 votos a 71 e 2 abstenções. Segundo as contas apresentadas pelo deputado, a medida permitiria reduzir o custo da gasolina em 8%; do etanol em 7%; e do diesel em 3,7%. A perda cairia, portanto, nas costas dos estados. Um levantamento da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais aponta um rombo, já neste ano, entre 7 bilhões de reais e 10 bilhões de reais no ICMS, que é uma das principais fontes de arrecadação dos estados. Há quem tema que o governo federal, no futuro, precise socorrer diversas gestões da perda da arrecadação, como aconteceu no passado recente. “O problema maior é a alta do dólar. Com esse tumulto, incerteza, despesas eleitorais, além da insegurança institucional, a moeda americana sobe apesar do aumento das exportações. Se caísse, o que seria o normal, isso compensaria a alta do preço internacional dos combustíveis”, diz o secretário de Fazenda de São Paulo, Henrique Meirelles.
A escolha do ICMS como vilão maior foi feita por Bolsonaro depois de ameaçar, no começo do ano, intervir na política de preços da Petrobras. Implementada na gestão de Pedro Parente, que comandou a petroleira entre 2016 e 2018, a política de preços baseada na cotação internacional do preço do barril do petróleo é considerada correta pelo mercado financeiro. Lira também tem posto essa política em xeque, ao declarar que a empresa deve ter também uma função social. Raciocínios semelhantes levaram a políticas intervencionistas desastrosas como a que aconteceu entre 2011 e 2014, durante o governo da presidente Dilma Rousseff. A medida não só não conteve a inflação como deu severos prejuízos à estatal.
O projeto aprovado por Lira — que segue para apreciação no Senado, onde os governadores têm maior poder de pressão — não é visto com maus olhos pelo Ministério da Economia. Mas técnicos da equipe econômica admitem que seus impactos serão apenas imediatos. Por isso, defendem uma solução estrutural, por meio da concessão de distribuidoras e refinarias ao setor privado e o aumento da concorrência — uma alternativa muito mais complexa e que levará tempo para ser implementada e ter efeitos sobre o preço dos combustíveis. Lira chegou a falar até na privatização da Petrobras (essa, sim, uma grande ideia). “Quanto mais competitivo for o setor, melhor para o consumidor”, diz Décio Oddone, ex-diretor-geral da ANP. As reformas econômicas também são consideradas uma saída mais eficaz. “O país precisa reduzir gastos e impostos sobre o consumo como um todo com uma reforma tributária coerente”, afirma Marcelo Mesquita, membro do conselho de administração da Petrobras. É um caminho mais complexo, mas com resultados mais efetivos.
Publicado em VEJA de 20 de outubro de 2021, edição nº 2760