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Os sete erros da reforma tributária

É possível melhorar (e muito) a proposta em análise no Congresso, desde que os pagadores da conta possam ser ouvidos e acatados

Por Paulo Rabello* e Miguel Silva**
Atualizado em 4 jun 2024, 14h37 - Publicado em 6 mar 2020, 06h00

Tramitam no Congresso Nacional duas propostas bem semelhantes de reforma tributária. Uma delas, nascida no Senado — a PEC 110 —, é apadrinhada pelo presidente Davi Alcolumbre (DEM-AP), e a outra, criada da costela da 110, foi encampada pela Câmara. É a PEC 45, adotada com carinho pelo presidente Rodrigo Maia (DEM-­RJ). Os padrinhos querem juntar as duas PECs e correr com a aprovação de um texto unificado. Mas essa pressa súbita é o que deixa os que pagam a conta dos tributos em estado de pânico. Muitos contribuintes serão duramente afetados. Em um país que ostenta a carga mais elevada do mundo em relação a seu nível de renda, a reforma deveria desonerar, além de simplificar a estrutura tributária, facilitando a vida do contribuinte e melhorando a competitividade das empresas. Se não fosse pedir demais, a reforma deveria tornar o sistema de impostos mais justo, fazendo pagar mais quem pode mais. Mas nada disso está no radar.

Arriscamos mudar para piorar: a carga tributária vai aumentar; cumprir tarefas fiscais ficará mais difícil; o que vem por aí comerá renda dos pobres e remediados. A pressa, nessa hora, é a pior conselheira. Nuvens grossas de iniquidade tributária pairam sobre nossas cabeças. Mas quais são, afinal, os sete erros das duas PECs?

1) Prometer alíquota única no novo imposto de consumo (o imposto sobre bens e serviços, IBS), quando, de fato, cada estado e município poderá mexer na sua parcela. Precisaremos de um aplicativo para saber das 5 570 alíquotas.

2) Projetar uma transição a perder de vista, de cinco a dez anos. Ou seja, continuaremos a pagar tributos antigos, além dos novos, o oposto da simplificação tão esperada.

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3) Tratar “serviços” como “mercadoria”, sendo que o contribuinte não tem como deduzir créditos tributários de um serviço prestado, como consegue deduzir de um produto industrializado. Com isso, a reforma triplicará a alíquota do imposto sobre qualquer trabalho de cunho personalizado (mais de 50% do PIB). E não fica nisso. Todos os bens essenciais, do tipo alimentos e medicamentos, serão sobretaxados. A PEC 45 promete reembolsar os mais pobres enviando um cheque pelos Correios (sim, uma restituição de IBS). Nenhuma dúvida sobre se a carga tributária final aumentará sobre a massa da população.

4) A arrecadação do novo IBS será 100% dos estados e municípios de “destino”, onde ocorre o consumo final, deixando ZERO para os locais “produtores”. Conclusão: haverá fortes perdas para os estados produtores, do Sul ao Centro-­Oeste, e prejuízos aos municípios mais dinâmicos. Que governadores e prefeitos aceitarão tais perdas de mão beijada?

5) A proposta cala sobre justiça fiscal quando não toca no imposto de renda, mantendo a regressividade do sistema ao taxar principalmente o consumo.

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6) Manter a contribuição do empregador para o INSS de 20% sobre a folha salarial, prejudicando mais uma vez o lado do trabalhador.

7) Esquecer a repartição imediata do IBS, que deveria ir para estados e municípios sem ingerência federal.

A carga de tributos vai aumentar, e o sistema ficará ainda mais complicado e injusto com os pobres

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Diante dessa relação de defeitos, é de se perguntar o que estão os congressistas fazendo ao tentar aglutinar duas versões ruins da mesma coisa. Mas não se pode desistir tão facilmente. Pelo lado de fora da fortificada cidadela chamada Brasília, há um país real que vive o dia a dia dos cidadãos e pode ajudar a desentortar as propostas oficiais. Os secretários de Fazenda dos estados prepararam uma PEC alternativa que conserta vários erros apontados. Há também a nossa proposta, a do Atlântico Instituto de Ação Cidadã, que contorna defeitos e cria soluções. Esses dois textos são convergentes e procuram simplificar. Propomos um desenho que pode evitar os sete erros da proposta do Congresso:

1) Cinco níveis nacionais de alíquota no IBS, para acomodar os serviços pessoais na faixa mais reduzida e, daí, subindo de faixa, dos essenciais aos bens poluentes ou perigosos para a saúde. Fica eliminado o imposto seletivo, por ser ocioso nesse novo desenho.

2) Transição imediata do sistema antigo para o novo, após um período anual de teste, por meio de uma câmara de compensação, denominada Operadora Nacional de Distribuição da Arrecadação (Onda). Ela será capaz de capturar os pagamentos por leitura digital de qualquer transação efetuada, com repartição automática e diária da receita aos estados e municípios.

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3) Manutenção da carga sobre os prestadores de serviços e consumidores de bens essenciais, já que serão enquadrados nas faixas mais baixas do IBS, cujas alíquotas não poderão ser alteradas pelos entes federados.

4) Retenção pela Onda de 4% do IBS para os estados ou municípios de origem da produção, de modo a compensar os custos incorridos na fiscalização do imposto e na manutenção da infraestrutura para produzir o bem, além dos impactos sobre o meio ambiente.

5) Redução da presença federal no IBS, dando, porém, à União a arrecadação exclusiva do IR, cuja receita, em dez anos, deverá subir até compensar a redução, em 4 pontos, da alíquota média do IBS de 29% para 25%.

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6) Mudança da incidência do INSS do empregador da folha salarial para a nova base de cálculo, que será o lucro bruto da empresa, antes de juros. Será a vez de o rendimento do capital contribuir para a Previdência pública, como já reza a Constituição.

7) Afastamento da influência política sobre a Onda, mantendo a operadora da repartição do IBS como um órgão neutro e técnico. A Rússia fez algo semelhante, com sucesso.

É possível melhorar a proposta do Congresso, desde que os pagadores da conta possam ser ouvidos e acatados.

* Paulo Rabello, economista, e ** Miguel Silva, tributarista, são autores da proposta do Atlântico (www.atlantico.org.br)

Publicado em VEJA de 11 de março de 2020, edição nº 2677

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