Por que o novo governo ameaça repetir erros do passado na Petrobras
Ataques à política de dividendos e promessa de investimentos em refinarias são sinais que têm preocupado investidores e financistas
Em meio às complicadas negociações que envolvem a PEC da Transição, mecanismo que permitirá ao novo governo abrir espaço no teto de gastos para realizar suas promessas de campanha, um outro tema atrai a atenção do mercado financeiro no início da próxima gestão. Trata-se da maneira como o PT vai gerir a Petrobras, empresa que se tornou alvo de políticas erráticas nos governos anteriores do partido. Desde a eleição, os sinais emitidos por Luiz Inácio Lula da Silva e seu circulo mais próximo de apoiadores têm preocupado investidores e financistas e já fizeram cair 30% as ações da companhia, pulverizando cerca de 115 bilhões de reais em seu valor de mercado. A sensação é de que uma grande derrapada do governo eleito pode vir justamente do tratamento a ser dado à maior estatal brasileira.
Na última terça-feira, 22, temores de que os fantasmas do passado podem ressuscitar se materializaram na forma de relatórios de instituições financeiras internacionais com previsões sombrias para a empresa. Em uma das análises, o banco de investimentos suíço UBS cortou pela metade o preço-alvo das ações da Petrobras. Em outra, o americano Morgan Stanley rebaixou para neutra a sua recomendação para o mercado de investimentos brasileiro. Desde a campanha eleitoral, declarações do presidente eleito já mostravam que o governo tende a ser mais intervencionista na empresa. Na semana seguinte à eleição, essa percepção ganhou impulso quando a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, criticou a promessa de distribuição de 43,7 bilhões de reais em dividendos no próximo trimestre, se somando aos 180 bilhões de reais já repassados no ano. “Não concordamos com essa política que retira da empresa sua capacidade de investimento e só enriquece acionistas. A Petrobras tem de servir ao povo brasileiro”, escreveu ela no Twitter.
Em falas mais recentes, Lula também criticou os dividendos pagos aos acionistas — a Petrobras é umas das companhias que mais distribuem tais recursos no mundo. Entretanto, é justamente o governo federal um dos grandes beneficiários desses pagamentos, uma vez que a União detém 37% do controle da estatal. “Como acionista principal da empresa, o governo deveria achar isso bom. Deveria ter olhos de investidor na empresa e usar esse dinheiro para políticas públicas”, diz David Zylbersztajn, ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Dos 43,7 bilhões de reais anunciados em dividendos para o próximo trimestre, 16 bilhões irão para o Tesouro federal. A quantia é suficiente para zerar a fila do SUS, uma das promessas de Lula, com custo estimado em 10 bilhões de reais, para a manutenção da Farmácia Popular, que exige um investimento de 1,2 bilhão de reais, e ainda sobram 4,8 bilhões de reais para outras políticas sociais.
Os críticos dos dividendos alegam que a Petrobras estaria esvaziando o caixa, minando a própria capacidade de investir durante o próximo governo. Aumentar os investimentos tem sido uma das principais bandeiras de Lula para a petroleira. De 2014 a 2018, o investimento previsto foi de 220 bilhões de dólares, caindo para 55 bilhões no planejamento de 2021 a 2025. Mesmo com essa redução drástica, a Petrobras é uma das empresas brasileiras que mais investem no país. “Hoje, não existe uma restrição da quantidade investida em função do dividendo. O dividendo é grande porque o preço do petróleo subiu muito, para próximo dos 100 dólares o barril. Nesse cenário, a empresa gera mais caixa do que o esperado e distribui esse excesso”, afirma Marcelo Mesquita, conselheiro independente mais antigo da Petrobras. “Se o petróleo cair para 50 dólares, não vai ter dividendo. O setor é cíclico. O momento é muito bom, mas não vai ser sempre assim.”
A grande incerteza é como serão os investimentos que o governo de Lula pretende realizar. O passado não traz boas lembranças. Ao fim das gestões petistas, a empresa chegou a acumular, em 2015, endividamento de 126 bilhões de dólares, a maior dívida corporativa do mundo. Depois, entre 2014 e 2021, precisou realizar 189 bilhões de reais em baixas contábeis, resultantes de desvalorização de ativos, aplicações erráticas de recursos feitas em um momento de baixa do preços do petróleo e gestões temerárias para a companhia, como a comandada por José Sérgio Gabrielli. Símbolos desses erros são a aquisição da refinaria americana Pasadena, por 1,2 bilhão de dólares em 2006 e vendida treze anos depois por 470 milhões de dólares, e as obras inconclusas do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) e da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco.
Com a presidência da empresa ainda em disputa, uma das especulações aponta para o senador Jean Paul Prates (PT-RN), um dos principais interlocutores de Lula com representantes da área de combustíveis e escolhido como responsável para o tema de petróleo no grupo de transição governamental. Afinado com a visão do líder petista para o setor petrolífero, Prates é um defensor ferrenho da retomada dos investimentos, inclusive em refinarias. A justificativa é que, com isso, o Brasil pode ter autossuficiência no refino de combustíveis, o que permitiria à empresa abandonar a política de preços baseada na paridade internacional. “É uma ideia enganosa, que envolve um modelo que não existe nem na Arábia Saudita”, afirma Vitor Sousa, analista de petróleo da Genial Investimentos. “Hoje é quase consenso que a melhor maneira de baixar preços é justamente promover a competição no mercado.”
O posicionamento petista sobre investimentos vai na contramão da estratégia que a companhia tem implementado nos últimos seis anos, desde o impeachment de Dilma Rousseff. Em 2019, oito das treze refinarias da Petrobras foram colocadas à venda e foi feito um acordo com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para aumentar a concorrência no setor de refino de combustíveis. A decisão exigia que a empresa se desfizesse de todas as unidades de processamento fora de São Paulo e do Rio de Janeiro. Até agora, somente a venda da refinaria de Mataripe, na Bahia, foi efetivamente concluída, com a transferência da unidade ao fundo Mubadala. Na terça-feira 22, Prates se reuniu com o ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, e pediu que o governo atual congelasse medidas “estratégicas” e “estruturantes”, como a venda de ativos da empresa, até a posse de Lula. “O problema com as refinarias é que o retorno não é o mesmo que a extração do pré-sal, por exemplo”, avalia o general Joaquim Silva e Luna, presidente da Petrobras até março deste ano. “Focar na exploração e na transição energética é uma decisão melhor do ponto de vista econômico”, diz ele. Voltar ao passado pode ser um erro que custará caro ao PT. Já não funcionou da última vez.
Colaborou Hugo Marques
Publicado em VEJA de 30 de novembro de 2022, edição nº 2817