Em um reflexo das diversas oportunidades perdidas pela economia brasileira, o investidor se acostumou nos últimos meses a ver a bolsa de valores local caindo, enquanto as do exterior disparavam. Numa repentina e surpreendente virada, o índice Ibovespa vem se recuperando nas últimas duas semanas, mesmo em um momento de quedas generalizadas de preços de ações pelo mundo. Com isso, voltou ao patamar dos 110 000 pontos, perdido em outubro do ano passado, e acumula uma alta de 6% em janeiro. Tal movimento está lastreado diretamente numa realidade de impacto relevante para o Brasil: as commodities negociadas pelo país, que começaram o ano com preços favoráveis.
Um dos principais produtos da balança comercial brasileira, o minério de ferro, se aproximou dos 130 dólares na semana passada, enquanto o preço do barril do petróleo tipo Brent rompeu, na quarta-feira 26, a marca dos 90 dólares pela primeira vez desde 2014. Notícias como essas justificam o otimismo com as ações da mineradora Vale, que subiram 7,9% desde o início do ano, da siderúrgica CSN, que se valorizaram 4%, e das petrolíferas Petrobras e PetroRio, que tiveram alta de 19% e 14,1%, respectivamente. “A recuperação econômica global e os baixos estoques da Opep deixaram o petróleo mais caro”, diz Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura. “As petroleiras do mundo todo estão se valorizando”. A firmeza com que o presidente da Petrobras, Joaquim Silva e Luna, tem enfrentado as pressões políticas para intervenção nos preços dos combustíveis também tem sido vista como positiva pelo mercado.
Pelo lado da mineração, o cenário se sustenta na perspectiva de crescimento da China, ainda que mais gradativo. A expectativa dos analistas é que em breve o país inicie uma recuperação no consumo do minério de ferro, o que deve elevar a cotação do produto para o patamar dos 150 dólares. “O governo continua com o seu projeto de integração das províncias, com rodovias e ferrovias de alta velocidade, além de projetos de transformação de infraestrutura com pontos de carregamento de carros elétricos. Tudo isso demanda aço”, diz Gilberto Cardoso, CEO da consultoria Tarraco Commodities Solutions, sediada em Singapura. “É uma boa notícia para a bolsa brasileira, com investidores do mundo inteiro atentos aos setores envolvidos nesses negócios.”
Completando a boa maré, as commodities agrícolas estão próximas de recordes históricos para o mês de janeiro. A soja, principal produto de exportação do país, já atingiu nas três primeiras semanas do mês 1,729 milhão de toneladas vendidas, volume próximo ao recorde histórico de janeiro de 2019, quando alcançou pouco mais de 2 milhões de toneladas. Os preços também ajudam, com uma alta de 23,8% em relação ao ano passado. As cotações do milho, boi e frango em dólar estão, respectivamente, 25%, 15% e 10% mais altos que em janeiro de 2021.
Mesmo com os bons ventos para as empresas de commodities, há riscos grandes demais para comemorações antecipadas. A força de contaminação da variante ômicron tem prejudicado muito a atividade comercial, e a economia global poderá crescer em 2022 menos do que o esperado. Na terça-feira 25, o Fundo Monetário Internacional (FMI) revisou para 4,4% a expectativa de expansão do PIB mundial para este ano, 0,5 ponto porcentual abaixo da previsão anterior. Um dos grandes motivos para isso é uma expectativa de que a China crescerá 0,8 ponto abaixo do esperado, avançando 4,8% em 2022. Como o país adota uma política de tolerância zero à Covid-19 e lockdowns localizados, a nova variante já está impactando negativamente as cadeias de suprimento globais. Até mesmo a produção no campo brasileiro já sente a falta de produtos e maquinários por causa disso. Ou seja, para o curto prazo, o potencial positivo da expansão da economia chinesa sobre as demais pode ser prejudicado.
Outro fator de atenção é que as perspectivas do agronegócio nacional enfrentam um cenário adverso na seca que castiga principalmente o Sul do país, fruto do fenômeno climático La Niña. Em dezembro e janeiro, a falta de chuva na região teve impacto forte na safra de grãos. “Seguramente, 30 milhões de toneladas já foram perdidas”, diz Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura.
A economia brasileira precisará muito de um bom desempenho do agronegócio para permanecer no terreno do PIB positivo em 2022. A expectativa da consultoria MB Associados é que o PIB da agropecuária crescerá 4,5% neste ano, comparado com a retração de 1% no ano passado. “A agricultura e a pecuária continuam crescendo, mas é difícil pagar a conta de tudo aquilo que o país fez do ponto de vista fiscal e das dificuldades da pandemia. Estaríamos a um ritmo melhor se tivéssemos avançado nas reformas administrativa e tributária”, diz Caio Carvalho, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio. “Vários investidores internacionais aguardam as eleições para aplicar recursos no país.” Por enquanto, resta torcer para chover e para que impactos de curto prazo, como a ômicron na China, passem logo.
Publicado em VEJA de 2 de fevereiro de 2022, edição nº 2774