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Presidente do Cade: “Não permitiremos oligopólios devido à pandemia”

Alexandre Barreto, presidente do órgão antitruste, admite não ter flexibilizado a análise de fusões e aquisições, além de ser contra o tabelamento de preços

Por Felipe Mendes Atualizado em 27 out 2020, 16h59 - Publicado em 27 out 2020, 14h33

Quem entra na sala da presidência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, o Cade, em Brasília, se depara com uma vasta coleção de troféus da entidade antitruste. São prêmios de todos os níveis — boa parte deles são internacionais. Mais alguns estão para chegar. Recentemente, com seu Guia de Combate a Cartéis em Compras Públicas, a autarquia conquistou a categoria Best Soft Law do prêmio Antitrust Awards 2020, que é concedido pela revista francesa Concurrences. Mas o ‘grand prix‘ pode estar pela frente. O Cade é indicado à premiação de agência antitruste do ano no Global Competition Review. E tem como rivais as entidades antitrustes da França e do Peru. Alexandre Barreto, presidente da autarquia nacional, não esconde a ansiedade pelo resultado final. “Temos concorrentes de peso, mas estamos disputando para valer”, diz. “Ter uma atuação consistente e técnica sinaliza para os investidores estrangeiros que a política antitruste no Brasil é bem conduzida”.

Mas, enquanto o dia 10 de novembro não chega, a entidade lida com um final de ano atribulado, com o avanço expressivo no número de fusões e aquisições no segundo semestre e a inflação de itens de consumo básico, como o arroz. Como um bom árbitro, Barreto está de olho no lance: “O Cade não tem flexibilizado em nada a sua análise de fusões e aquisições em decorrência da pandemia. Não permitiremos a formação de oligopólios.” Ele também está atento a movimentos da concorrência que ainda estão por vir com a Nova Lei do Gás e a privatização dos Correios. 

O Cade, de alguma forma, tem flexibilizado a análise de fusões e aquisições no país por conta da pandemia de coronavírus? Um dos aspectos mais positivos da análise de atos de concentração que é feita pelo Cade é o fato de ela ser muito objetiva. Isso impede que seja incorporada na análise questões que não são relativas a antitruste, como causas trabalhistas, ambientais ou, até mesmo, um possível momento de dificuldade financeira que alguma das empresas esteja passando. Por mais que sejam questões extremamente relevantes, afetam outra seara. O nosso papel e preocupação é impedir que haja uma formação de grandes grupos econômicos que possa trazer prejuízo para o consumidor.

A situação atual requer mais atenção do órgão antitruste? Em momentos de crise é natural que algumas empresas procurem adquirir outras que estejam em dificuldade financeira. O problema é que esse movimento de concentração pode levar a uma situação ainda pior no pós-crise. Temos de ter um olhar atento e de longo prazo. Se permitirmos que duas ou mais empresas em dificuldade financeira se juntem para combinar suas operações para fugir da crise, podemos permitir a formação de grandes oligopólios em diversos setores da economia no Brasil. E isso seria ainda mais danoso do que os reflexos da própria crise. Portanto, o Cade não tem flexibilizado em nada a sua análise de fusões e aquisições em decorrência da pandemia.

A análise de fusões e aquisições relacionadas a empresas estatais é mais delicada por parte da entidade? Considerando que o Cade é uma agência de estado e não de governo, que tem liberdade de atuação, a nossa análise é muito objetiva. Não há espaço para pressão política ou qualquer tipo de subjetividade. O fato de o objeto alvo de concentração ser estatal ou privado não interfere em nada.

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O veto do Cade à fusão entre Liquigás e Ultragaz em 2018 é um bom exemplo disso? Sim. Naquela época, a Liquigás era a maior do mercado de GLP. A Ultragaz era a segunda. Estávamos falando da segunda do setor tentando comprar a primeira. Em termos nacionais essa fusão criaria uma empresa com cerca de 50% de participação de mercado, o que do ponto de vista antitruste seria um absurdo. Apesar de se tratar de uma empresa estatal, houve a vedação pelo Cade à realização do negócio.

Hoje, é a vez de um consórcio formado por Copagaz, Itaúsa e Nacional Gás Butano tentar adquirir a Liquigás. Como está o andamento desse processo? Nós tivemos o processo notificado ao Cade. Está em análise pela nossa área de instrução, com a perspectiva de ir ao tribunal nas próximas semanas. É um caso complexo porque é a formação de um consórcio, que exige a avaliação do desenho pós-operação, para saber quem vai ficar com qual parte. Como o mercado é analisado regionalmente, há de se analisar em quais estados a nova empresa poderá ter poder de mercado pós-operação que possa prejudicar o consumidor. Paralelamente a isso, também há um processo de desinvestimentos da Petrobras no setor de gás natural e no setor de refino como objeto de um acordo firmado com o Cade, em 2019. Na ocasião, percebemos que o tamanho da Petrobras estava trazendo prejuízos para o mercado. E havia indícios de que a Petrobras estaria abusando de sua posição dominante no mercado de refino e no mercado de gás natural, onde ela era monopolista de fato. O remédio proposto, portanto, leva a desinvestimentos de metade do parque de refino da Petrobras e a desverticalização de toda a cadeia de gás.

E como isso afeta a Nova Lei do Gás? A Nova Lei do Gás traz mudanças legislativas que vão permitir que, paralelamente à desverticalização da Petrobras, tenhamos um crescimento considerável nesse setor no Brasil. Tenho a convicção de que, a partir desse acordo firmado com o Cade e pelas alterações que vão ser introduzidas pela Nova Lei do Gás, teremos um mercado pujante, completamente novo no Brasil, gerando bilhões de reais em divisas e milhares de empregos. Isso é fruto direto do trabalho realizado pelo Cade, a partir da percepção de um monopólio que trazia, de fato, um prejuízo para a economia.

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Como seria a avaliação de uma suposta venda do Correios por parte do governo? A análise do Cade é verificar se a operação pode trazer algum problema do ponto de vista concorrencial. Como no caso dos Correios, estamos falando de, praticamente, um monopólio. Em tese, seria a substituição de um agente. Não vejo, em princípio, questões concorrenciais maiores a serem discutidas. Se uma empresa ‘X’ adquire os Correios e passa a ter concentração de participação de mercado, isso não significará uma piora da questão concorrencial, e sim a substituição do dono da empresa. O papel do Cade será permanecer atento e verificar se essa empresa abusaria de sua posição. Nós firmamos, em janeiro do ano passado, um acordo com os Correios, pois se verificou que, no mercado de entregas de pequenas encomendas, havia um indício de conduta anticompetitiva por parte dos Correios. E houve um acordo para a cessação dessa conduta, com a contribuição pecuniária de 21,9 milhões de reais. Ou seja, trata-se de uma empresa estatal, o que não impediu que ela fosse investigada. Se, no futuro, ela se tornar uma companhia privada e incorrer desse mesmo problema, obviamente o Cade estará em cima.

Nos últimos meses, os preços de alguns produtos dispararam. Isso atingiu, primeiro, itens de proteção individual como álcool em gel e máscaras, mas agora chegou ao segmento alimentar, em produtos como arroz, carne e outros. Discutiu-se o tabelamento de preços, algo que não funcionou na década de 1980. Como o senhor vê isso? O Cade tem três eixos de atuação. A análise de fusões, investigações de processos da ordem econômica e a advocacia da concorrência. E isso inclui as discussões legislativas sobre quaisquer elementos que possam vir a impactar negativamente do ponto de vista competitivo. O tabelamento de preços é um deles. Ao se instituir um congelamento de preços, o governo insere um elemento alienígena na dinâmica concorrencial, o que impede a dinâmica de preços e a concorrência em si. É quase como se estabelecer um cartel de forma institucionalizada. Ou seja, é uma interferência ruim na dinâmica concorrencial. No início da pandemia, houve um pico de demanda por máscara e álcool em gel. Nós participamos de diversos debates e houveram algumas iniciativas do Legislativo no sentido de congelar o preço desses produtos. O Cade, naquele momento, se posicionou veementemente contra o tabelamento de preços. Felizmente, isso não vingou e em poucos meses o mercado se reajustou para equilibrar a oferta e a demanda.

Qual poderia ser a solução do governo para casos como esse? Existem algumas saídas que o governo pode adotar que são mais efetivas do que o tabelamento de preços. Por exemplo, reduzir barreiras de entrada para o funcionamento de players no mercado. O segmento da produção de álcool em gel é um bom exemplo. As barreiras de entrada do ponto de vista técnico são baixas, mas havia uma restrição da Anvisa para a permissão da produção de álcool em gel. A Anvisa derrubou essa recomendação e isso permitiu com que tivéssemos rapidamente a entrada de novos players no mercado. Rapidamente, encontrou-se um meio-termo entre oferta e demanda. Quase sempre, quando há a tentativa de inserção de um elemento artificial na formação de preços, isso leva a consequências desastrosas no médio e no longo prazo.

Como o Cade analisa o disparo nos preços do arroz? No caso do arroz, houve a questão do câmbio, que tornou mais favorável à exportação, já que tivemos um aumento expressivo na demanda por parte da Índia e da China. Fora isso, esse produto foi impactado pelo aumento da demanda interna em função do auxílio emergencial concedido pelo governo. Elevou-se a demanda abruptamente. E os preços seguiram essa tendência. Eu não tenho elementos para poder afirmar se esse aumento refletiu exatamente a demanda externa, mas eu quero crer que a dinâmica do mercado por si só é melhor para dar essa resposta. É uma análise complexa. O simples aumento de preço não representa uma abusividade. Voltando à questão dos insumos médicos, quando perguntado para as farmácias e para os fornecedores de produtos de proteção individual a razão do aumento, eles indicaram que houve uma demanda expressiva por parte do importador. Quando perguntado ao importador, indicou-se um aumento expressivo por parte dos fabricantes na China. Então, de quem é a culpa? É da farmácia? É do importador? Ou há que se falar em culpa ou em preço abusivo? Entendo que o aumento do arroz é uma questão sensível para a população, mas as saídas pensadas pelo governo devem considerar as variáveis de curto e de longo prazo. O congelamento de preço por si só seria muito danoso para a economia.

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A pandemia de Covid-19 abriu espaço para a flexibilização da Lei 14.010, a legislação brasileira sobre a concorrência, abrindo possibilidade para que duas ou mais empresas celebrem associações, consórcio ou joint ventures para mitigar os efeitos da crise. Qual foi o efeito dessa medida? É um projeto de lei que foi aprovado de forma bastante rápida no Senado e que criou uma certa flexibilização durante o estado de calamidade decretado pelo governo. Porém, com alcance limitado. Nós trabalhamos junto com o Congresso para impedir o movimento de empresas oportunistas que pudessem se valer do momento da crise para formar oligopólios ou cartéis. O que a lei estabeleceu é que será permitida a formação de joint ventures que tenham relação direta com a crise. Considerando que o Cade hoje analisa casos mais simples em cerca de 15 dias, posso dizer que estamos preparados para atender qualquer demanda que venha do empresariado em função da pandemia. Mas, por conta dessa limitação temporal, o efeito prático é muito limitado. O que nós tivemos de colaboração entre os concorrentes foi o “Movimento Nós”, uma união de empresas no setor de alimentos e bebidas em busca de oferecer condições para os micro e pequenos varejistas saírem da crise. O fato de empresas agirem conjuntamente para mitigar os efeitos da crise é extremamente positivo, mas não podemos permitir que essa coordenação signifique atuação conjunta para delimitar preço, dividir mercado ou trocar informações.

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