Quando o imóvel vira crédito: por que o ‘home equity’ está em alta
Empréstimos que têm um bem como garantia oferecem juros mais baixos e crescem depressa, mas desconhecimento e receio de perder a casa ainda são limitações
No contexto em que o país ainda não conseguiu se livrar do amargo remédio dos juros altos, os consumidores tendem a intensificar a busca por alternativas de taxas mais amigáveis. No caso do mercado imobiliário, as atenções no momento estão voltadas para o home equity, apelido americanizado dos empréstimos que têm um imóvel como garantia. O produto existe há mais de duas décadas no Brasil, mas somente nos últimos tempos engatou uma marcha forte de crescimento. No primeiro semestre de 2024, os empréstimos com garantia de imóvel dispararam, de acordo com a Abecip, associação que reúne as instituições que trabalham com crédito imobiliário no país. Eles cresceram 41%, na comparação com os mesmos meses do ano passado, e somaram 4,6 bilhões de reais. Até 2020, eram menos de 2 bilhões de reais no semestre. “Muita gente ainda não conhece essa opção”, diz Sandro Gamba, presidente da Abecip. “É de 2020 para cá que os bancos começam a ter maior interesse em oferecer essa linha, ao mesmo tempo que as pessoas buscam alternativas.”
Esse crescimento, porém, vem com um conflito inevitável: de um lado estão vantagens enormes, como taxas de juros entre as mais baixas do mercado, e, do outro, o incômodo risco de o devedor perder o imóvel. “A pessoa precisa ter muita consciência do que está em jogo”, diz o advogado especializado em direito imobiliário Marcelo Tapai. As linhas com garantia são semelhantes aos empréstimos comuns, já que o tomador pode usar o dinheiro como quiser. A diferença é que, nelas, o direito de um bem, como a casa ou um terreno, é passado para o banco até que a dívida seja quitada. Caso não seja, o banco fica com a propriedade e a leva a leilão para saldar o que não foi pago. “A única chance que o devedor tem de reverter a perda é encontrar algum erro do banco no processo de notificação, o que às vezes acontece, e abrir uma ação”, diz o advogado especializado Ronaldo Gotlib. Soa assustador, mas é o mesmo mecanismo que já rege há décadas os financiamentos imobiliários — que nada mais são que um empréstimo em que o próprio imóvel financiado é a garantia e que também termina em leilão caso a dívida não seja paga.
É essa segurança jurídica que dá aos bancos condições de fazer ofertas atraentes. Os juros médios do home equity estão hoje em 18% ao ano. No crédito pessoal comum a taxa é de 88%, e, no caso do rotativo do cartão de crédito, passa dos 400%. Os prazos e valores também são melhores: o período máximo chega a vinte anos, e o dinheiro emprestado pode equivaler a até 60% do valor do imóvel. A busca mais comum pela modalidade atualmente é para quitar dívidas mais elevadas. Na sequência, vêm a realização de reformas e os investimentos em pequenos negócios. “É uma operação que permite que as pessoas peguem um valor alto com parcelas que cabem no orçamento”, diz Fabio Zveibil, vice-presidente de empréstimos com garantia da Creditas, fintech voltada a esse nicho. Ali, o valor médio dos empréstimos é de 200 000 reais, com parcelas na faixa de 1 500. As mensalidades palatáveis ajudam a manter baixa a inadimplência. De acordo com a Abecip, 2,8% dos contratos de home equity têm hoje algum atraso. No crédito comum essa taxa é de 7%, e, no rotativo do cartão, passa de 50%.
Agora, com o Novo Marco das Garantias, norma aprovada em outubro do ano passado, a expectativa é de que o crédito com garantia de imóvel possa dar um novo salto. Entre as principais mudanças está a possibilidade de usar o mesmo bem para mais de um empréstimo, inclusive em bancos diferentes, o que não era permitido antes. Ainda assim, o teto para empréstimo continua a ser de 60% do valor do imóvel. É essa trava que, de acordo com os especialistas, ainda deixa o Brasil bem longe do que aconteceu na crise financeira que abalou os Estados Unidos em 2007 e que se originou, justamente, no tamanho desproporcional que os refinanciamentos imobiliários tomaram. “Não havia controle: uma pessoa com um imóvel de 1 milhão de dólares podia tomar empréstimo de 3 milhões”, diz Bernardo Chezzi, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário e um dos autores do Marco das Garantias. Os empréstimos múltiplos a partir de uma mesma casa, de toda forma, ainda não pegaram no Brasil. Cautelosos, os bancos estão deglutindo as novas regras e desenhando internamente os primeiros contratos de home equity expandido que poderão oferecer. Mas, como mostram os crescimentos robustos mês a mês desse filão até aqui, não devem faltar interessados.
Publicado em VEJA de 2 de agosto de 2024, edição nº 2904