Dois processos envolvendo a Fundação Getulio Vargas, e cujas histórias que os sustentam são pra lá de desairosas, colocam a pessoa do presidente da instituição, Carlos Ivan Simonsen Leal, no centro dos escândalos. Leal, sobrinho de Mário Henrique Simonsen (1935—1997), é investigado por atos de corrupção e acusado de utilizar a organização para aumentar seu patrimônio, que já é bem grande. Segundo o Ministério Público, Leal praticou “seriados atos ilícitos” em prejuízo da própria FGV e da administração pública do Rio de Janeiro. Os fatos narrados são estarrecedores.
Um dos processos envolve o inquérito civil originado na Operação Lava Jato. De acordo com a delação de Carlos Miranda, antigo braço direito do ex-governador do Rio Sérgio Cabral, a FGV encobria o repasse de propina a Cabral e dois parceiros, Wilson Carlos e Regis Fichtner. Em um dos casos detalhados no inquérito, a fundação foi contratada para avaliar os ativos do antigo Banco Estadual do Rio de Janeiro (BERJ), adquirido por 1 bilhão de reais pelo Bradesco. A FGV recebeu 3% deste valor e repassou metade ao Prosper, que foi subcontratado no processo de avaliação. Além do pagamento de 6 milhões de reais ao ex-governador e seus parceiros, os dirigentes da FGV também se refestelaram com os recursos. Os recursos “foram canalizados em benefício dos réus Sérgio Franklin Quintella, Cesar Cunha Campos, Ricardo Simonsen e Sidnei Gonzalez”, afirma o Ministério Público.
Os investigadores também deixaram claro qual foi a participação de Leal e porque ele é o principal réu deste processo. “A fim de assegurar a execução, a ocultação, a impunidade e vantagem e, bem assim, para que os atos permanecessem, o quanto possível, no mais completo anonimato, os réus Carlos Ivan Simonsen Leal e Sérgio Franklin Quintella, ordenaram ao réu Ocario da Silva Defaveri, Controlador-Geral da FGV, e aos diretamente responsáveis pelos comandos dos seus setores financeiro e contábil, que os registros contábeis dos exercícios financeiros dos anos de 2006, 2011 e de 2013 não contemplassem lançamentos contábeis relevantes, a fim de não identificar os resíduos dos negócios jurídicos e de seus efeitos pecuniários.”
Em outro processo, movido por um grupo de construtoras contratadas para construir a nova sede da FGV no Rio, Leal aparece novamente como uma figura nevrálgica de articulações escusas. O consórcio ABCDW, constituído em 1999 pelas construtoras Arbi Rio, Castelo, Celi, Dictum e Wrobel para colocar de pé o Edifício Oscar Niemeyer, foi substituído em 2010 pela empreiteira Carioca. A Carioca foi uma das construtoras investigadas na Lava Jato, seus executivos se tornaram delatores e teve de pagar quase 69 milhões de reais em multas para poder continuar operando. Leal não era presidente da FGV à época do primeiro contrato.
Segundo o consórcio, a FGV quebrou o contrato ilegitimamente e colocou a Carioca sem a realização de licitação. São apontados diversos problemas relacionados às obras, como a falta de aprovação pela Rio Trilhos para o projeto de fundação, e a construção irregular do 20º pavimento. Na primeira instância, a FGV perdeu e condenada a pagar 250 milhões de reais ao consórcio. Os litigantes estão confiantes de que a decisão será mantida.
Leal é um homem conhecido no meio político carioca. Membro de uma família histórica, rico e influente. Segundo um vice-presidente da FGV, Leal “é um rolo compressor impressionante”. Ele conta que a liminar conseguida pelos diretores para a construção da Torre Oscar Niemeyer foi contestada por uma outra “ala” da diretoria da entidade. A ideia seria esperar o processo ser julgado por completo antes de iniciar a construção e não sustentar a obra em uma única liminar. Ele responsabiliza Leal pela derrota e acredita que a fundação deveria demovê-lo do quadro, apesar da ligação parental com o fundador da instituição. “O Simonsen, o fundador, tinha ficha limpíssima. É triste membros da família estarem envolvidos em escândalos desta magnitude”, afirmou esse vice-presidente. VEJA procurou Leal, mas ele não quis dar entrevista. Enviou uma nota. “O Presidente da FGV desconhece por completo, até porque não foi intimado de absolutamente nada a respeito, sobre qualquer ação envolvendo sua pessoa física, relacionada aos referidos temas, seja de natureza civil, seja de natureza criminal.”
Em um representação feita ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), em fevereiro deste ano, a FGV critica a atuação de membros do MP do Rio, em especial a promotora Daniela Tavares. “Os atos das Promotorias de Fundações vêm demonstrando uma lamentável intenção de se criar fatos para descredenciar a gestão da FGV visando, claramente, uma medida contra os administradores da Instituição, na expectativa de conseguirem, quem sabe, até mesmo seu afastamento”, afirma o texto. A representação também cita o caso de venda do BERJ e a atuação da FGV no caso. “A situação agrava-se quando se tem que esta rejeição de contas, já antes aprovadas, decorreu de depoimento do multicondenado ex-governador Sérgio Cabral, sobre o leilão para a venda do BERJ, sem que nada, absolutamente nada, tenha sido provado,ou qualquer condenação tenha gerado.”