Fundada em 2009, a Uber tornou-se um dos primeiros sinônimos de unicórnio no mundo. Mesmo sem nunca ter saído do prejuízo, a empresa foi avaliada em 82,4 bilhões de dólares ao abrir o capital na bolsa em maio e mantém o interesse dos acionistas com os planos de testar uma rede de táxis voadores (semelhantes a helicópteros) em três cidades já no ano que vem. Dara Khosrowshahi, CEO da companhia desde 2017, falou do projeto a VEJA em um evento da companhia sobre mobilidade aérea em Washington, nos Estados Unidos.
A edição impressa de VEJA publicou uma parte da entrevista. Abaixo, uma versão maior, com mais perguntas.
A Uber perdeu 1,8 bilhão de dólares em 2018. Como um modelo sem lucro pode ser sustentável? O negócio vai dar lucro. Estamos numa indústria de 14 ou 15 trilhões de dólares, no transporte de pessoas, comida e carga. O potencial é tão grande que investimos agressivamente. Meu trabalho é fazer com que a empresa se torne lucrativa, e tenho certeza de que a nossa equipe será capaz disso.
Apresentar inovações como o Uber Elevate é crucial para isso? É uma parte importante do nosso crescimento que está por vir.
O projeto de ocupar os céus significa que as cidades perderam a batalha da mobilidade terrestre? A vida residencial e comercial nas cidades já se dá em três dimensões, e o transporte no plano terrestre não é mais suficiente. Locomover-se por baixo da terra é muito caro e finalmente a tecnologia nos permitirá explorar o céu. Então não acho que é uma derrota, mas uma vitória, que vai transformar radicalmente o transporte. Isso vai requerer investimentos significativos antes da comercialização. Empresas visionárias como a nossa, que estão dispostas a investir nisso, precisarão de muito talento não só em engenharia, mas em relacionamentos, em regulação, e necessitamos que os governos sejam parceiros.
Melbourne foi escolhida a primeira cidade fora dos EUA para testar o Uber voador, a partir do ano que vem. Quando chegará a vez de São Paulo? São Paulo é uma grande cidade para nós e queremos oferecer o Elevate e novas formas de transporte. Estou por dentro das questões de congestionamentos paulistanos. Acho que será um produto incrivelmente bem recebido.
Quais as prováveis limitações que a cidade pode ter nesse projeto? Quando você entra num projeto desse, há um investimento em infraestrutura muito significativo a ser feito. Por exemplo, em pontos de pouso nos lugares certos. E precisa obter as licenças corretas etc.. Isso requer diálogo com a administração do espaço aéreo, com os governos municipais.
Gente do seu time já se encontrou com o governador João Doria. O diálogo está melhorando. Estamos construindo um centro de engenharia no Brasil focado em segurança.
O que o Brasil representa para a Uber? São Paulo é o nosso maior mercado em número de viagens diárias. Temos uma equipe local muito forte, que nos ensinou a importância de ser local, ou seja, a importância de entender os consumidores e envolver os municípios onde operamos. Nosso escritório no Brasil enfatizou sempre a ideia de que a segurança deveria ser nossa prioridade número 1 da companhia, devido a incidentes que aconteceram no Brasil.
A quais incidentes o senhor se refere? A batidas, por exemplo? No geral. Quando você coloca duas pessoas juntas num carro, e no volume de vezes em que fazemos isso, há sempre um potencial para conflito interpessoal. Nós temos agora recursos pelos quais, se o motorista ou o passageiro se sentirem inseguros de alguma maneira, eles podem nos alertar e nós podemos ir até lá ajudar. Nós temos a habilidade de rastrear a viagem de seus entes queridos, sua filha ou sua mulher, por exemplo. O Brasil é um dos maiores usuários dos recursos de segurança do aplicativo.
A Uber representa hoje milhões de empregos no mundo. O que um futuro de carros autônomos e drones autodirigíveis para entregas reserva aos trabalhadores? Eles ainda vão dirigir por bastante tempo. Existe um drama na ideia de máquinas substituírem seres humanos. A realidade é que as máquinas se somam aos humanos. Estão lá para substituir trabalhos previsíveis e repetitivos, enquanto cuidaremos das tarefas complexas. Haverá um mundo no qual as máquinas farão a maior parte do trabalho de direção. Será mais seguro. Acredito que a mudança será rápida, mas não abrupta. Existirão outras maneiras de o motorista de hoje garantir seu sustento.
A ideia de transporte urbano aéreo em grande escala soa arriscada para boa parte das pessoas. Se você olhar para a aviação, em termos de modalidade de transporte, é uma das opções mais seguras na Terra. A indústria de aviação tem mostrado que viajar pelo ar é muito seguro.
Que erros o senhor aconselha as jovens startups a evitar? Você aprende quais erros evitar quando os comete. A experiência é o melhor professor. Você deve ter humildade, para entender que sempre pode estar errado, e transparência, para que seu time entenda o que você quer. Ser CEO é um trabalho solitário, mas o grande teste de sucesso será o time que você construir. E uma equipe que entenda que você está sendo honesto e correto com ela é o melhor time que se pode ter.
A infraestrutura construída por vozes poderá ser compartilhada com concorrentes, em alguns casos? Eventualmente. Não há razão para não ser. Há muita coordenação que precisa vir junto. É preciso haver uma rede multimodal integrada de transporte por ar e em solo. Essa coordenação deve ser feita porque há muitos pontos de fricção, muitas fontes de erro em potencial e, quando você está lidando com transporte, um erro pode custar vidas, que não é algo que você quer arriscar. Então acho que no início devemos ser a rede de coordenação. Depois de um certo período, acredito que haja um claro potencial para outros parceiros.
Como é um típico dia na sua vida? Não existe nada parecido com um dia típico. Eu viajo muito. Acordo muito cedo, me exercito e, se consigo dormir ou não, isso dependerá de cada dia.
Publicado em VEJA de 10 de julho de 2019, edição nº 2642
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