Siderúrgica do Nordeste adota discurso verde, mas ainda longe da realidade
Transformação da Gusa Nordeste em Aço Verde do Brasil é tentativa de apagar um passado de problemas
A cidade maranhense de Açailândia, a 562 quilômetros de São Luís, respira minério de ferro. Às margens da Estrada de Ferro Carajás, concentra três usinas siderúrgicas que processam a matéria-prima trazida das minas no Pará, a cerca de 300 quilômetros de distância. Se essa é a grande fonte de riqueza do município, também é origem de algumas mazelas que a cidade enfrenta. Uma deles afeta especificamente um grupo de mais de 1 000 pessoas que vivem em uma área degradada pela poluição e por dejetos industriais despejados de forma irregular sem nenhum controle. A situação é tão ruim que a localidade, vizinha das fábricas e conhecida como Pequiá, foi considerada inadequada para abrigar moradias e a população local aguarda a remoção para outro bairro, ainda em construção. “Além da mudança, são necessárias várias medidas mitigadoras e de recuperação ambiental na região”, diz o advogado Danilo Chammas, que representa os moradores. Desde 2016 eles aguardam a mudança para um conjunto habitacional do Programa Minha Casa, Minha Vida, erguido ao custo de 30 milhões de reais, boa parte deles custeada pela Caixa Econômica Federal (as empresas contribuíram com menos de um terço do total).
Das siderúrgicas instaladas em Açailândia a partir da década de 80, três seguem em operação. Na cidade também existe um terminal de minério da Vale que as abastece de matéria-prima. Todas as empresas têm histórico de problemas ambientais e nos últimos vinte anos foram alvo de ações judiciais movidas por moradores da região e seus representantes. Há dois anos, o polo siderúrgico foi alvo de um relatório apresentado no Conselho de Direitos Humanos da ONU. No documento, é relatado um incidente em que uma das empresas despejou dejetos incandescentes de seu processamento industrial em área inapropriada e provocou queimaduras e contaminação de moradores. Na época do ocorrido, tal empresa era conhecida como Gusa Nordeste S/A, hoje rebatizada como Aço Verde do Brasil. Mais recentemente, a empresa foi alvo de duas denúncias por poluição ambiental no Ministério Publico do Maranhão.
A empresa Aço Verde do Brasil é um exemplo de quanto é difícil para uma companhia que acumula um passivo ambiental tão grande fazer uma transição real para o mundo da sustentabilidade. Procurada por VEJA, a companhia informou em nota que desde 2020 não produz ferro-gusa ou transporta gusa líquido em Açailândia. Atualmente, ela diz fabricar outros tipos de aço cujo processo é considerado mais limpo e que realiza o controle e monitoramento ambiental continuamente em suas instalações. A empresa também afirma que cumpre todos os acordos celebrados com a Secretaria de Meio Ambiente do Maranhão e sua unidade que fabrica os novos produtos está licenciada e regulamentada até dezembro de 2023.
A transformação da Gusa Nordeste em Aço Verde do Brasil foi, na verdade, uma tentativa de apagar um passado de problemas e se posicionar como “a primeira usina siderúrgica carbono neutro no mundo”. No discurso e na aparência, algumas conquistas foram realizadas. Em maio de 2021, a companhia divulgou a certificação de carbono neutro concedida pela consultoria suíça SGS pelo uso de carvão vegetal como alternativa a combustíveis fósseis, os grandes vilões do aquecimento global. O selo abriu portas para a empresa realizar a emissão de títulos verdes, em 2021 e 2022, captando nas duas rodadas 650 milhões de reais para plantio de florestas de eucaliptos para a produção de seu “aço verde”.
A realidade, porém, é mais complexa do que a retórica politicamente correta. Defender a causa verde simboliza uma mudança radical para uma empresa cujo controlador, o Grupo Ferroeste, de Minas Gerais, esteve envolvido há doze anos em um escândalo de comercialização de carvão vegetal vindo de fornecedores irregulares, em uma operação conhecida como Máfia do Carvão. Na ocasião, seus executivos foram presos. “A realização de projetos ancorados em sustentabilidade com emissão de títulos verdes não é uma garantia de que a empresa é referência nesse aspecto. É preciso uma estratégia muito mais ampla”, diz Cristóvão Alves, diretor da consultoria NINT, especializada no assunto. A condição atual dos moradores de Açailândia demonstra que esse patamar ainda está longe de ser alcançado.
Publicado em VEJA de 15 de março de 2023, edição nº 2832
Depois da publicação da reportagem, a AVB enviou o seguinte posicionamento:
A AVB esclarece que: a Aço Verde do Brasil – AVB, enquanto usina siderúrgica, é a evolução do negócio Gusa Nordeste, produtora e exportadora de ferro-gusa na década que encerrou suas operações há 3 anos. Impossível concluir que seja uma ação de greenwashing. Somos uma usina siderúrgica projetada em 2008 e iniciamos a produção de aços laminados em 2018. A AVB é a primeira siderúrgica a produzir aço carbono neutro no mundo com a aplicação de biocarbono, um combustível verde. Nossas certificações foram emitidas pela Société Génerale de Surveillance (SGS) seguindo metodologias internacionalmente reconhecidas pela WorldSteel Association e pelo Programa brasileiro GHG. Empregamos mais de dois mil profissionais na região sul do estado do Maranhão e desenvolvemos dezenas de projetos sociais, ambientais, bem como a formação profissional numa região onde não há instituições para isso.