No primeiro trimestre do ano, uma simulação sobre o comportamento dos preços durante o ano de 2021 acendeu o sinal de alerta no Ministério da Economia, comandado por Paulo Guedes. A previsão era que, em junho, a inflação acumulada nos doze meses anteriores atingiria um pico próximo dos 7%, um dado preocupante para o governo. Desde o ano passado, a equipe econômica vinha defendendo que as pressões inflacionárias provocadas por aumentos como os do arroz e da carne seriam transitórias. A pouco mais de 3 quilômetros do gabinete de Guedes, em Brasília, previsões também dispararam o alarme no Banco Central, que calculou um cenário ainda mais sombrio, com uma alta de 7,8% nos doze meses anteriores a ser atingida no segundo semestre. Na quarta-feira 9, a divulgação do índice oficial da inflação (IPCA) para o mês de maio mostrou que as duas análises oficiais foram até brandas, com a taxa cravando em 8,06% nos doze meses anteriores.
As dificuldades de se prever o perfil inflacionário brasileiro têm origem nas disfunções econômicas causadas pela pandemia. Quando a Covid-19 surgiu, economistas já discutiam se o isolamento social traria deflação, por causa da menor circulação dos consumidores, ou inflação, devido a interrupções da produção em diversos setores. O primeiro grupo era mais numeroso, e durante algumas semanas parecia ter razão. Mas, logo que a atividade econômica foi retomada de forma mais rápida que a esperada, particularmente na China, os preços das commodities dispararam, os alimentos encareceram e houve até mesmo falta de bens industriais provocada pela escassez de componentes para produção. No Brasil, somou-se a tudo isso a alta do dólar, causada pelo risco fiscal e político. “A inflação em uma economia em recuperação costuma ser causada pela maior demanda, que pressiona os preços. Ocorre que a inflação atual não está ligada à expansão de demanda, e sim a fatores pontuais no lado da oferta”, analisa Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda.
O grande problema é que as pressões vêm se acumulando. Vilões do ano passado, como os alimentos, seguem em ação em 2021 e ainda receberam a companhia de novos fatores, como a energia elétrica, com os baixos níveis dos reservatórios das usinas geradoras. Em maio, houve aumento em todos os nove grupos que compõem o IPCA, e as perspectivas preocupam. No mês passado, a cobrança de energia elétrica era de bandeira vermelha 1. Em junho, passou para bandeira vermelha 2, o que causará preços ainda maiores.
A situação atual, porém, é muito diferente dos episódios de hiperinflação vividos pelos brasileiros no passado, entre os anos 1980 e início dos 1990. No último mês antes do Plano Real, em junho de 1994, a inflação de doze meses atingiu, por exemplo, inacreditáveis 4 922%. Para um país que ainda traz marcas como essa em sua história econômica, não deixa de ser traumática a perspectiva da volta de reajustes automáticos em impostos e salários. “A economia até está mostrando uma boa resiliência, com alta no primeiro trimestre acima das expectativas. Mas há setores que ainda sofrem muito, como o de serviços”, avalia Gustavo Loyola, ex-presidente do BC. “Nesse cenário, o Banco Central não pode se dar ao luxo de ignorar as expectativas e deixar as projeções da inflação se desgarrarem.”
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As previsões feitas por analistas do BC estimam que o IPCA chegará ao fim de 2021 a 5,44% — mas já há quem fale em 6,5%. Ou seja, nem um arrefecimento dos preços no segundo semestre traria o índice para dentro da margem de tolerância da meta definida para o ano, que varia entre 2,25% e 5,25%. Isso já sinaliza que a autoridade monetária deve promover um novo aumento da taxa de juros Selic na próxima quarta-feira, o que reduzirá os estímulos para o crescimento da economia. A situação ainda é controlável, mas o velho dragão conhecido dos brasileiros começa a fumegar.
Publicado em VEJA de 16 de junho de 2021, edição nº 2742