Se tem uma coisa que mudou para sempre com a pandemia do novo coronavírus, na visão do boliviano Marcelo Claure, é o uso massivo de serviços digitais. E para fazer coisas simples como uma videoconferência, consultar um médico, pedir um remédio na farmácia, comprar um arroz no supermercado, um curso de inglês, uma transferência bancária. E a pandemia fez mais do que isso: acelerou o processo. Quem diria que diversos países de repente passariam a aceitar a telemedicina, por exemplo. Daí para se consultar com um robô é um passo. Passo inclusive que a China já deu. Por lá, os chineses começaram a se consultar com robôs, segundo Claure. E quando Claure fala, quem tem uma startup na América Latina presta muita atenção, e por uma razão bem simples: ele é o diretor de operações do Softbank e manda num fundo de 5 bilhões de dólares que estão sendo aplicados no continente desde o ano passado. Só neste ano, em plena pandemia, o fundo vai distribuir cerca de 2 bilhões de dólares, em 20 empresas. Ao dólar de hoje, são mais de 10 bilhões de reais para injetar em empresas inovadoras na região.
“Só neste ano planejamos investir, acho que vamos chegar a dois bilhões de dólares investidos em 20 empresas incríveis. Investimos no México, Brasil Argentina”, disse Claure em uma conversa com o presidente do BID, Luís Alberto Moreno, transmitida pelo fórum de líderes do Conselho das Americas/Bravo. Se ele vai chegar mesmo neste valor, já deve ter muito negócio engatilhado e ainda sem ter sido anunciado. Oficialmente, até agora, o Softbank aportou recursos em apenas 4 empresas latino americanas neste ano, com um total divulgado de 195 milhões de dólares. Uma das empresas é uma fintech mexicana chamada AlphaCredit. As outras três são brasileiras: Petlove, Cortex e iClinic. Esta última, do setor de saúde, não teve o valor do investimento divulgado. Curioso que quando o chefe do BID perguntou a Claure como ele acredita que governos e empresas vão agir para reduzir as desigualdades escancaradas pela pandemia, a resposta foi que será por meio da telemedicina e a educação. Dois setores que podem ter seus serviços barateados com a tecnologia e talvez uma dica dos investimentos a serem anunciados pelo Softbank.
Startups que transformem tradicionais modelos de negócios com objetivo de tornar as coisas simples parece ser a base do que Claure busca para investir. Ele cita o exemplo do Rappi, onde o Softbank aportou 1 bilhão de dólares no ano passado. É um serviço simples de entrega, segundo ele. Ele também lembrou o sucesso do Zoom que virou uma empresa multibilionária porque fez algo simples: permitir que todos pudessem fazer videoconferências. “A Cisco perdeu o barco”, disse ele em referência à empresa que presta serviços de teleconferências com base em uma tecnologia que não é nada acessível a quem não esteja dentro de alguma sala de teleconferências.
Os olhos do Softbank, um conglomerado japonês que tem um fundo para investir em empresas de tecnologia 100 bilhões de dólares, se voltaram para a América Latina por uma razão bem simples: o que se investe em startups hoje no continente é 50 vezes menor do que está se investindo na China, sendo que os chineses só tem 2 vezes o PIB latino americano.
O potencial da região é grande e ele cita que o ecossistema está todo pronto para as empresas de tecnologia. Em toda a América Latina, há 250 milhões de pessoas usando smartphone. O mesmo tanto que em todo os Estados Unidos. Temos 600 milhões de pessoas conectadas na internet, quando na China, o gigante de mais de bilhão de habitantes, tem 750 milhões. Mas os empreendedores latino americanos não têm acesso a capital. Quando investem em startups, seus medos são o de que não venha a próxima rodada de investimento e isso por um lado os torna mais comedidos na escalada dos negócios, segundo Claure. Por outro lado, ao não ter acesso fácil ao capital, os empreendedores aprendem a administrar suas empresas em caminhos mais responsáveis em que sempre se preocupam em ter mais resultados. “Por isso você vê o surgimento de IPOs de techs no Brasil”.