Trilhão por um triz: reforma da Previdência avança na Câmara
Projeto foi aprovado na Comissão Especial da Casa. Houve cabo de guerra com deputados para manter meta de corte de gastos defendida pela equipe econômica
Foi por pouco, mas o governo conseguiu aprovar na Comissão Especial o projeto de reforma da Previdência dentro da meta estipulada pela equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, de garantir um alívio de 1 trilhão de reais no prazo de dez anos. O relator da proposta, deputado federal Samuel Moreira (PSDB-SP), era o responsável pela missão ingrata: convencer seus colegas a votar favoravelmente ao texto sem ceder às pressões dos mais diversos setores atingidos pelas alterações nas aposentadorias. O assunto é tão delicado que Guedes foi orientado a sumir até que a missão fosse cumprida, para evitar que seu pavio curto irritasse os legisladores.
Na quinta-feira 4, durante a votação do relatório, o presidente da Comissão, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), contou 124 pedidos de modificações. Mas Moreira resistiu às investidas e entregou o que lhe foi solicitado. Agora, a bola está com o plenário da Câmara. O governo precisa de 308 votos entre os 513 possíveis para avançar com o projeto para o Senado. Rodrigo Maia (DEM-RJ), que preside a Casa, promete correr para resolver a questão antes do recesso parlamentar, que começa em 18 de julho.
Os dias, e mesmo as horas que antecederam a votação do relatório, foram de intensa pressão sobre Moreira. O próprio presidente Jair Bolsonaro resolveu se empenhar — sem combinar com o deputado nem com a equipe econômica — no abrandamento das regras de Previdência de agentes da segurança pública. Na quarta 3, data inicial prevista para a votação, Bolsonaro foi chamado de traidor por um grupo de policiais federais e civis em Brasília e, mais tarde, prometeu: “Vou resolver o caso de vocês, viu?”.
De fato, o presidente ordenou a elaboração de uma alternativa às regras de idade mínima da categoria descontente, e ligou para Moreira a fim de tentar sensibilizá-lo. A leitura do relatório da reforma, que estava agendada para as 13 horas, acabou adiada até a noite, para dar tempo à negociação. Rodrigo Maia recebeu as lideranças dos partidos em sua casa para debater a proposta de mudança na idade mínima de aposentadoria dos agentes de segurança, que, no final das contas, terminou recusada pelos policiais, por considerarem a oferta de redução muito tímida, enquanto Maia se queixava de que era muito generosa.
Para chegar à economia desejada pelo governo com a reforma, Moreira foi criativo. Apesar de retirar alguns pontos desenhados pela equipe de Guedes, inseriu alternativas para compensá-los — embora nem sempre tenham muito a ver com a Previdência. Caíram, assim, as alterações no Benefício de Prestação Continuada e a permissão para que se adotasse posteriormente um sistema de capitalização. Para equilibrar as contas, Moreira subiu de 15% para 20% a contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL) dos bancos, aumentando a arrecadação em mais de 50 bilhões de reais. Também restringiu o escopo de quem tem direito ao abono salarial, espécie de auxílio garantido pelo governo, ganhando mais 76 bilhões de reais. “Moreira teve um papel importante para aprovar a proposta, porém não podemos considerar aumento de imposto como economia. Se fosse para aumentar tributo, não precisaríamos fazer uma reforma”, afirma o economista Paulo Tafner, autor do livro Reforma da Previdência: por que o Brasil Não Pode Esperar?.
Uma questão fundamental para o governo, e abraçada por Rodrigo Maia, era a inclusão na reforma dos regimes estaduais e municipais. No entanto, o acordo firmado entre parlamentares e o relator foi outro. Comandados pelo deputado Arthur Lira (PP-AL), os líderes do chamado Centrão articularam para retirar todos os itens que dizem respeito aos entes federativos e tentar recolocá-los quando a votação ocorrer no plenário da Câmara. Para evitar desgaste com os mais de 8 milhões de servidores municipais e estaduais, parcela de seu eleitorado, ficou acordado que os deputados devem puxar a corda até o último minuto, enquanto Maia e o governo insistem em angariar o apoio formal dos governadores, apresentando na reta final o destaque de inclusão de regimes próprios, estaduais e municipais, de Previdência. Outra possibilidade aventada entre os parlamentares é que a emenda seja apresentada no Senado — lá, o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), assumiria a articulação.
Tudo isso, entretanto, é para depois. No momento, o governo tem motivos para comemorar, finalmente, um avanço na reforma que os empresários tanto aguardam para voltar a investir e criar empregos no país.
Publicado em VEJA de 10 de julho de 2019, edição nº 2642
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