Troca de e-mails interna na Nissan mostra plano para tirar Ghosn do poder
Preso em 2018, executivo brasileiro afirma ser inocente e vítima de complô entre executivos da montadora que eram contra a fusão com a Renault
A novela envolvendo o executivo brasileiro Carlos Ghosn e a Nissan, montadora que chefiava até 2018 antes de ser preso por fraudes e desvios de dinheiro no Japão, é cheia de contornos de grandes filmes hollywoodianos, com direito a fuga internacional cinematográfica. Nesta semana, o imbróglio ganhou mais um capítulo, e nele, a tese de conspiração defendida pelo empresário para alegar sua inocência ficou mais forte. Em trocas de e-mails entre executivos da Nissan no início de 2018, obtidas pela agência de notícias Bloomberg, o alto escalão da companhia falava em “neutralizar as ações” de Ghosn antes que a fusão entre a montadora japonesa e a francesa Renault fosse “irreversível”.
Assustados com a promessa de Ghosn, no início de 2018, de tornar a aliança entre Nissan e Renault irreversível, os gerentes da montadora japonesa discutiram sua preocupação sobre como o executivo brasileiro estava dando passos em direção a uma maior convergência. No centro das discussões estava Hari Nada, um advogado que dirigia o escritório do executivo-chefe da Nissan e depois fechou um acordo de cooperação com os promotores para testemunhar contra Ghosn. Segundo e-mail escrito por ele a Hitoshi Kawaguchi, gerente sênior da Nissan que era responsável pelas relações governamentais, em fevereiro de 2018, era necessário “neutralizar as iniciativas” do empresário antes que fosse “tarde demais”.
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Clique e AssineAinda segundo a Bloomberg, em abril de 2018, Nada disse a Hiroto Saikawa, diretor-executivo da Nissan, que Ghosn estava ficando cada vez mais agitado com o desempenho e os comentários da Nissan feitos por Saikawa, que se posicionava contra uma fusão entre a Renault e a Nissan. “Ele pode criar uma grande perturbação e você pode ser vítima dela”, escreveu Nada a Saikawa.
Um dia antes da primeira prisão de Ghosn, em novembro de 2018, Nada teria mandado um memorando pedindo mudanças na governança da aliança, entre elas a possibilidade de a Nissan comprar ações da Renault e até mesmo se tornar majoritária na montadora francesa. A saída do então CEO seria uma oportunidade para fazer essas mudanças, o executivo teria sugerido na mensagem.
Nada, um advogado nascido na Malásia que supervisionou muitos dos assuntos de Ghosn na Nissan e ingressou na montadora na década de 1990. Ele liderou a investigação interna contra o executivo brasileiro e esteve envolvido em algumas das supostas condutas que estavam sendo investigadas pela promotoria de Tóquio. Ao mesmo tempo, os e-mails mostram como Nada trabalhou para coletar informações, viajando para o Brasil e o Líbano para investigar o uso por Ghosn de residências fornecidas pela empresa. Nascido no Brasil, Ghosn também é cidadão francês e libanês. Na sua fuga do Japão no fim do ano passado, o executivo escolheu o Líbano, terra natal de seus pais e local onde mora sua esposa, Carole Ghosn.
Prisão, fuga e conspiração
Carlos Ghosn foi preso em um aeroporto de Tóquio em novembro de 2018 acusado de omitir parte de seus rendimentos e usar indevidamente verbas das montadoras que comandava. O executivo chefiava a aliança entre a Nissan, Renault e Mitisubish. O brasileiro ficou em regime fechado por cerca de 130 dias, preso em uma solitária e sem direito de se comunicar com sua família. Ghosn chegou a ser solto no primeiro semestre de 2019, foi novamente preso, e conseguiu sair após pagar fiança e fazer um acordo com a Justiça do Japão. O executivo cumpriria prisão domiciliar, podendo sair de casa para exercer algumas atividades, desde que avisasse a Justiça antes, não saísse do país e não se comunicasse com sua esposa, Carole.
Cerca de oito meses após começar a cumprir a prisão domiciliar e ainda sem data de julgamento, Ghosn fugiu para o Líbano, em uma operação que deixou a polícia japonesa perplexa. O empresário conseguiu sair de sua casa e embarcar em um avião que fez escala na Turquia e seguiu para o Líbano.
No início deste ano, em conferência com a imprensa, Ghosn disse ser inocente e creditou sua prisão a conspiração de executivos da Nissan junto a membros do governo japonês para lhe retirar do poder.
A briga entre a montadora japonesa e a Renault frustrou a oferta dos franceses de juntar a aliança a Fiat Chrysler, que acabou fechando acordo com o grupo PSA, que controla a Pegeout e Nissan. Em maio, a Nissan registrou uma perda de 6,3 bilhões de dólares no ano fiscal encerrado em março, a primeira perda em uma década e a maior em 20 anos. Com a pandemia de coronavírus que pesa em um negócio que já está engasgando, as ações da montadora perderam mais da metade de seu valor desde a prisão de Ghosn.