A Europa pede esclarecimentos ao Brasil sobre as descobertas reveladas pela operação que fez novas prisões relacionadas com o comércio de carnes. A União Europeia não descarta aplicar medidas restritivas contra os produtos brasileiros, caso considere que seja necessário.
A Polícia Federal realizou uma nova fase da Operação Carne Fraca nesta segunda-feira, revelando que Pedro de Andrade Faria, ex-presidente da BRF, sabia da falsidade ideológica e dos possíveis problemas sanitários na venda dos produtos. Mas omitiu dados do Ministério da Agricultura e ordenou a ocultação de ilícitos.
Foram cumpridos 91 mandados decretados pela Justiça Federal do Paraná. Batizada de Operação Trapaça, onze pessoas estão com ordem de prisão temporária e 27 de condução coercitiva. Os policiais cumpriram ainda 53 mandados de busca e apreensão em unidades da BRF – dona da Sadia e Perdigão.
Numa carta às autoridades brasileiras, a Europa pede esclarecimentos sobre a dimensão do novo escândalo. “A Comissão Europeia foi informada desse problema por meio da delegação da UE em Brasília”, apontou Bruxelas, em um comunicado enviado por e-mail. “A delegação foi solicitada a questionar e obter das autoridades brasileiras todas as informações relacionadas a esse caso e que possam afetar a importação para a UE”, disse. “Além disso, uma carta oficial pedindo informações detalhadas sobre as descobertas está sendo enviada às autoridades brasileiras.”
Por enquanto, a Comissão Europeia indica que as certificações exigidas depois da primeira fase da Operação Carne Fraca continuam em vigor. Também estão mantidos os controles reforçados em todas as fronteiras da Europa para garantir “a segurança do produto importado para a UE”.
Mas a União Europeia deixa claro que “a Comissão poderia tomar medidas adicionais consideradas como necessárias à luz das informações que recebamos”. “As atuais condições de importação de carne do Brasil apenas permitem a importação de um número limitado de estabelecimentos”, explicou.
Desde meados de 2017, a Europa praticamente fechou uma parte substancial de seu mercado diante do que considerou uma incapacidade do governo brasileiro de dar garantias da qualidade do produto vendido. Em junho, uma auditoria da União Europa descobriu mais de cem casos de contaminação da carne brasileira.
A auditoria, realizada em maio do ano passado em fazendas e frigoríficos brasileiros, concluiu que o controle é “insatisfatório” e que, mesmo depois da Operação Carne Fraca, o governo não implementou o que havia prometido. Em uma carta direcionada ao ministro da Agricultura, Blairo Maggi, os europeus ainda indicaram que tal situação “joga sérias dúvidas sobre a credibilidade do sistema de controle e mina a confiança” entre Bruxelas e as autoridades brasileiras.
Queixando-se abertamente das promessas não respeitadas pelo Brasil, os europeus apontam que qualquer garantia dada pelo governo de Michel Temer tem problemas para ser recebida de forma positiva. “As notícias de corrupção no Brasil, com o setor de carne em seu centro, também colocam em questão a credibilidade das garantias oficiais dadas e a confiança da Europa nessas garantias”, alertaram, numa referência ao escândalo das propinas da JBS.
Para eles, a falta de uma resposta do governo depois da eclosão da Operação Carne Fraca, em março em 2017, que revelou corrupção no controle sanitário no Brasil, é o que pode levar a um novo bloqueio das vendas.
“Como o resultado da auditoria não foi considerado satisfatório, a comissão indicou que novas ações eram necessárias por parte das autoridades brasileiras”, aponta a UE.
A União Europeia também exigiu que nenhuma nova empresa seja solicitada para entrar na lista de exportadores de frango ou carne bovina. Das companhias que ainda tinham o direito de vender, a Europa passou a exigir testes microbiais em 100% das exportações. Todos os contêineres passaram a ser acompanhados por certificados de saúde antes mesmo de deixar o Brasil.
A investigação identificou a ocultação da ocorrência da bactéria ‘Salmonella pullorum’ em matrizes (animais reprodutores) da BRF, que é de notificação compulsórias às autoridades sanitárias. Essa prática, segundo a PF, levou ao abate irregular de aves contaminadas e sua ilegal destinação ao consumo, segundo as autoridades.
Essa descoberta partiu do depoimento da granjeira Cristianne Liberti que, em depoimento à polícia, acusou Délcio Luiz Goldoni, gerente agropecuário da BRF, de ter conhecimento da bactéria e não ter cumprido a legislação que determinava a notificação compulsória bem como nada fez para deter a comunicação, segundo o despacho do juiz. Goldoni também teve expedido mandado de prisão temporária.
Cristianne também acusou o gerente industrial da empresa, Luiz Augusto Fossati, responsável pela fábrica da BRF em Carambeí (PR), que recebeu aves contaminadas por salmonella e permitiu seu abate para consumo. Fossati, segundo a investigação, também permitiu a reembalagem para venda de cortes de frango com porcentagem de água superior ao índice legalmente permitido e, movido pelo intuito de represália, articulou tentativa de tirar do trabalho um fiscal agropecuário federal que vinha autuando frequentemente a BRF em Carambeí por irregularidades. Fossati também foi alvo de mandado de prisão temporária na operação desta segunda-feira.
Outro lado
A BRF divulgou nesta noite de segunda-feira, 5, um novo comunicado sobre a Operação Trapaça, da Polícia Federal. “A empresa está mobilizada para prestar todos os esclarecimentos à sociedade”, diz, na nota.
A BRF afirma que segue normas e regulamentos brasileiros e internacionais referentes à produção e comercialização de seus produtos. “Com base nos documentos disponíveis, a BRF entende que nenhuma das frentes de investigação da Polícia Federal diz respeito a algo que possa causar dano à saúde pública”, ressalta.
Em relação às denúncias até então divulgadas, a empresa diz que sobre salmonela do tipo Pullorum, citada pela PF em relação à produção em Carambeí (PR), “é essencialmente de aves e não causa nenhum dano à saúde humana”. A empresa diz ainda que segue todos os monitoramentos estabelecidos pelo Plano Nacional de Sanidade Avícola (PNSA) e Instrução Normativa nº 20.
(Com Estadão Conteúdo)