O Vaticano vendeu ativos de caridade para pagar um empréstimo de 242 milhões de euros (1,58 bilhão de reais) junto ao Credit Suisse. Parte desse dinheiro foi usada para financiar o desenvolvimento de imóveis de luxo na região de Chelsea, na cidade de Londres. A transação foi garantida por uma carteira de títulos detida pela agência do banco suíço em Lugano, que a sede da Igreja Católica Romana descreveu como “derivada de doações”, de acordo com o jornal britânico Financial Times.
Um relatório financeiro concluiu que metade do patrimônio líquido do Vaticano na carteira de 530 milhões de euros (3,47 bilhões de reais) do Credit Suisse foi contabilizada pelo Athena Capital, um fundo sediado em Luxemburgo. O dinheiro foi majoritariamente investido pelos gestores luxemburgueses em um projeto que transformaria o endereço 60 Sloane Avenue, um prédio comercial localizado em Londres, em um condomínio de luxo. Um porta-voz do Vaticano admitiu no início de 2020 que o investimento foi uma “grande perda de dinheiro” e acusou Raffaele Mincione, proprietário do fundo, de “administrar os recursos financeiros para interesse próprio”. Mincione negou as fraudes e disse não acreditar que investir em imóveis em Londres seja uma operação especulativa.
O caso motivou investigações no Vaticano. No último dia 24, o cardeal Giovanni Angelo Becciu, que completou 72 anos em junho e visto como uma das figuras mais importantes da Igreja, considerado o número três do Vaticano, renunciou ao seu título e ao cargo de Prefeito da Congregação para as Causas dos Santos. A saída teria sido motivada por um pedido pessoal de Papa Francisco, que solicitou seu afastamento em razão das denúncias de corrupção contra o cardeal. Becciu negou as acusações, mas ele teria supervisionado os investimentos entre 2011 e 2018. Cinco funcionários do Vaticano foram suspensos em 2019 após uma operação em que policiais apreenderam documentos e computadores. Em junho de 2020, o empresário italiano Gianluigi Torzi, intermediador de toda a operação, foi preso sob suspeita de extorsão e peculato.
O cardeal Becciu teria omitido as documentações do empréstimo em 2014, mas George Pell — outro cardeal –, então responsável pelas Finanças da Santa Sé, exigiu à época que a Secretaria de Estado detalhasse a operação. Sem sucesso, o capítulo seguinte dessa história viria dois anos mais tarde, quando a Secretaria de Economia, liderada justamente por Pell, pediu uma auditoria externa às contas de todos os departamentos do Vaticano. A ação foi cancelada por Becciu, sem autorização do Papa. Em 2017, o cardeal acusou Libero Milone, primeiro auditor-geral da Santa Sé, de espionar as finanças dos altos cargos da Igreja e o afastou do cargo. O então arcebispo ainda ameaçou processar MiIlone caso ele não deixasse o cargo de maneira discreta. Ainda assim, foi em 2018 que Papa Francisco deu o título de cardeal a Becciu e o nomeou para Prefeito da Congregação para as Causas dos Santos, títulos estes que o italiano perderia dois anos depois. O Vaticano não o acusou formalmente por quaisquer crimes.