É difícil imaginar uma regra mais hostilizada do que a que deixa passar de ano todos os estudantes, tenham ou não aprendido. Antes, os alunos estudavam, com medo de tomar bomba. Sem o medo da reprovação, ficou mais difícil obrigá-los a estudar. Isso é verdade, mas é só um lado do problema — desabafam aqueles professores e pais interessados em educação. Nas classes mais altas, o que funciona não é propriamente a reprovação, mas o medo da reprovação. Basta isso para que os pimpolhos estudem, com receio das furibundas punições paternas.
Há, contudo, um mundo silencioso, escondido por trás dessa barulheira. Os alunos mais pobres não temem a reprovação. Seus pais acham até bom que repitam, para aprender direito. E eles tomam bomba em proporções alarmantes. O medo da reprovação não tem o mesmo efeito salutar.
Muitos estudos foram realizados para comparar um aluno que toma bomba e repete com outro que passa de ano sem saber. Os resultados são sempre os mesmos: no ano seguinte, quem repete aprende menos do que quem avança sem saber. Para os que levam bomba, é insistir no que já não deu certo antes, além da pecha de “repetentes” e do constrangimento de conviver com colegas mais jovens.
Visto dessa forma, estamos diante de um dilema. Tirar os incentivos que funcionam tão bem para os alunos de famílias mais comprometidas com educação? Mas, se mantida a reprovação, sofre a maioria mais pobre que não é motivada pelo medo nem se beneficia ao repetir a série. Um impasse?
Miramos, porém, o alvo errado. Entre os países com melhor educação, alguns admitem a repetência, outros não. Qual estará mais certo? Na verdade isso importa pouco, pois, entre aqueles que admitem a reprovação, esta já é muito pequena, em geral, bem abaixo de 5%. Sendo assim, é um minidilema.
Mostra a experiência: a verdadeira política educacional é fazer com que todos ou quase todos aprendam. Os que começam a ficar para trás precisam ser logo atendidos de forma especial. Isso se faz sem teorias ou práticas misteriosas.
Esta é a lição que devemos entender. Quando reprovar ou não se torna uma decisão monumental, é porque muitos não aprenderam. A meta é fazer com que todos aprendam. Se a alcançarmos, a promoção automática se tornará uma decisão subalterna.
Trata-se, portanto, de uma falsa controvérsia, que serve apenas para revelar uma política errada. O esforço tem de focalizar o aprendizado, e não o que fazer quando ele não acontece. A motivação dos alunos não tem de residir no medo, mas em outros incentivos.
Na primeira prova do Pisa, todos se surpreenderam com o primeiro lugar da Finlândia. Ela não parecia ter um sistema melhor que o dos países escandinavos. Mas apresentava uma diferença. Concentrou seus esforços no desempenho dos alunos mais fracos. Com isso, a média ultrapassou a de seus vizinhos.
Por essa e outras, há hoje um forte consenso acerca das políticas de não deixar ninguém ficar para trás. Se isso for feito, reprovar ou não se tornará um detalhe de menor importância, como nos países bem-sucedidos. Nem todos se sairão tão bem quanto a Finlândia, mas o esforço tem de ser nessa direção.
Publicado em VEJA de 7 de novembro de 2018, edição nº 2607