Se fôssemos bons de previsão, que chato seria o mundo! Mas no campo das tecnologias educativas não precisávamos errar tanto.
Nos anos 1980, atreladas aos fenomenais microcomputadores, vieram as promessas de uma revolução digital. Não tardaram as denúncias do digital divide. No “hiato digital” criado, os pobres não teriam computador. E, se o tivessem, como aprenderiam a usá-lo? Porém, com ele enguiçando menos e com a drástica queda de preços, o mundo se encheu de novas maquininhas, incluindo tablets e smartphones. Usá-las revelou-se mais simples do que o imaginado. Nem mais há “cursos de computador”. O borracheiro da esquina tem o seu e, também, um telefone inteligente. Faleceu o digital divide?
Na escola, previam-se tecnologias digitais para os ricos e meros professores para o povaréu. Por muito tempo, nem uma coisa nem outra. Passaram-se os anos, e o computador não conseguiu mudar eficazmente a sala de aula — se é que chega a ela. Pesquisas após pesquisas mostram que não melhora o aprendizado.
No entanto, alunos têm as tais maquininhas em casa e fazem bom uso delas, melhorando seu desempenho. Em programas fora do circuito acadêmico tradicional, como o EAD — o ensino a distância —, elas são adotadas e mostram bons resultados. Mas, na escola, tecnologia é só Xerox e PowerPoint. Com meio século de computadores, nada mudou na sala de aula tradicional, nem para ricos nem para pobres. O digital divide é entre a escola formal e o resto do ensino, em que borbulham tecnologias.
“Passaram-se os anos, e o computador não conseguiu mudar eficazmente a sala de aula”
Contudo, uma nova geração de escolas privadas americanas, voltadas para alunos pobres, entrou pesadamente no uso das tecnologias digitais — em uma tentativa de substituir os professores. Como os ricos continuam com suas salas de aula tradicionais, estaríamos caminhando para um digital divide invertido? Os ricos ficariam com os professores e os pobres, com os computadores?
Como é um desafio hercúleo encontrar bons professores para todos os estudantes, a solução parece promissora. Aplicativos inteligentes, produzidos por professores criativos, substituiriam com vantagem os professores medíocres que se consegue recrutar para grande parte das escolas.
Outra surpresa! As avaliações mostram que, sobretudo com alunos carentes, mesmo os melhores aplicativos não estão à altura do desafio. Pesquisas de S. Turkle já haviam sugerido que jogos criados para ensinar ciências eram consumidos pelos estudantes como quaisquer outros. Os alunos jogavam, ganhavam ou perdiam, mas não prestavam a mais mínima atenção nos princípios científicos neles embutidos. Só a presença humana, acompanhando os jovens, podia induzi-los a entender a ciência que o jogo tentava ensinar.
Estamos diante de uma situação semelhante. Sem o professor acompanhando, encorajando e ajudando, os estudantes aprendem muito pouco com as maquininhas. Parece que, para essa clientela mais arredia ao mundo da escola, o computador sozinho não dá conta do desafio. Falecerá também o digital divide invertido? Será uma pena se isso acontecer, pois há uma grande promessa na sinergia entre máquina e humanos presentes.
Quem se habilita a fazer mais uma predição sobre o uso de tecnologia?
Publicado em VEJA de 15 de janeiro de 2020, edição nº 2669