Quando os portões das escolas foram trancados, a vida de mais de 1 bilhão de estudantes sofreu um baque e eles tiveram de caminhar forçosamente para a frente de alguma telinha — computador, tablet, celular — para dar andamento à educação. E tudo se desorganizou como nunca antes. Professores se viram às voltas com o desafio de aprender a ensinar de outro jeito e alunos precisaram se adaptar às pressas a essa modalidade que soava como coisa futurística para a criançada e seus pais: o ensino on-line. Pois ele veio para ficar — e a boa notícia é que, apesar da montanha-russa dos primeiros tempos (ainda não inteiramente superada), tem tudo para significar um tremendo avanço na maneira como as jovens gerações navegam no mundo do saber. A tecnologia vem sendo decisiva para a ciência e a medicina e segue chacoalhando o modo como as pessoas produzem, consomem e se divertem. Até este momento, porém, havia entrado tímida na vida escolar. É isso que começou a mudar em um caminho sem volta.
Empurrada pelas circunstâncias, a escola, que atravessou efervescentes capítulos da história aferrada a uma fórmula congelada, emite sinais concretos de que está gradativamente virando a página. Não se trata de distribuir laptops e esperar que dali frutifique um ensino renovado, mas de empregar a tecnologia de forma muito bem pensada para livrar o aprendizado da lógica enciclopédica na qual estacionou. “O computador não substitui o mestre. Ao contrário: ele lhe dá uma poderosa ferramenta para ensinar”, diz o matemático americano Salman Khan, que criou a maior plataforma de educação on-line do planeta e, bem antes da pandemia, já martelava os caminhos pelos quais a máquina pode estimular o homem na sala de aula — tanto os mestres como os alunos, tão afeitos às telas. “Eles são nativos digitais, portanto faz todo o sentido que se desenvolvam impulsionados por essa linguagem”, avalia Julio Ribeiro, coordenador de tecnologia do colégio Móbile, em São Paulo.
Um dos comprovados trunfos de levar o universo digital à escola é individualizar o aprendizado, possibilitando que cada aluno siga a seu ritmo, em um processo que precisa ser bem capitaneado pelo professor. Se um tropeçar em equação de segundo grau, o sistema lhe fornecerá mais exercícios sobre o tema, até que possa passar à etapa seguinte. Enquanto isso, o colega que deu salto mais ligeiro será conduzido a outros níveis de dificuldade. Em algum ponto, ambos irão se encontrar, sem que nenhum deles tenha ficado para trás nem padecido de falta de incentivo. “As plataformas adaptativas são uma grande tendência, que podem conferir nova dinâmica à lição”, diz Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV. Um bom mestre saberá passear pela montanha de dados acumulada no disco rígido para aferir em que estágio se encontram seus alunos. “Já começamos a individualizar a recuperação de nossos estudantes com base no que a tecnologia fornece de informação sobre eles”, conta Filipe Couto, diretor pedagógico do colégio pH.
Os tempos atuais impõem uma reflexão que faz tremer a instituição escolar: afinal, para que servirão daqui para frente as quatro paredes da sala de aula? Está claro que estar cara a cara com o professor soma ao ensino, sobretudo aos estudantes mais novos, mas aí resta ainda uma pergunta: quando essa interação é de fato útil? Com a persistência da modalidade híbrida — parte do ensino no colégio, parte em casa —, a trilha predominante é abraçar o esquema de flipped classes, as aulas invertidas, em que o aluno assiste à lição de casa (pode ser até gravada) e o período na escola fica reservado a atividades em que as pessoas mais se beneficiam de estar juntas — trabalho em equipe, debates, sanar dúvidas. O essencial é que a aula a distância não seja mera transposição do meio tradicional para o virtual, como tanto se viu por aí. “Estamos diante de uma linguagem diferente, que deve ser o mais engajante possível”, observa Luciano Meira, especialista na aplicação de games na educação — esta também uma tendência. Os alunos vão aprendendo por meio de altas missões e boas histórias, um mundo que já conhecem bem.
Sendo o professor a alma do negócio, é bom saber que eles aterrissam neste novo ano mais seguros para encabeçar a virada. Se no princípio mais da metade se sentia “totalmente despreparada” para ministrar aulas a distância, atualmente 82% se veem “confiantes”. Também os alunos estão mais afiados, já que lapidaram habilidades como a capacidade de se virar sozinhos e também produzir conectados aos colegas, mesmo que cada um esteja em sua casa — uma mostra de trabalho colaborativo que brota na rotina escolar, como já se vê em áreas típicas do mundo adulto. “A educação continuará a ser desafiada e a sempre se adaptar às novas necessidades, como o faz agora”, aposta o americano Zach Yeskel, inventor da plataforma Google Classroom. Dito isso, bons estudos neste 2021 esperançoso.
Publicado em VEJA de 13 de janeiro de 2021, edição nº 2720