Se em 2021 as universidades brasileiras terão um ano normal, é uma pergunta ainda a ser respondida. O certo é que elas não podem — ou pelo menos não deveriam — cancelar seus processos seletivos, pois o ano letivo não vai simplesmente desaparecer do calendário e, havendo consenso, as aulas serão retomadas em todo o país, seja na forma presencial, seja a distância ou no modelo misto. Até chegar a esse ponto, entretanto, instituições públicas e privadas precisam decidir como avaliar os estudantes que pretendem ingressar no ensino superior. O vestibular eletrônico (ou e-vestibular) poderá ser, para muitos, a única opção.
Como aglomerar é desaconselhável, algumas faculdades optaram por realizar provas no modo on-line, de forma que cada vestibulando possa fazê-las sem sair de casa. A Escola Superior de Propaganda e Marketing, por exemplo, exigirá do candidato apenas uma entrevista virtual, seguida de redação. Nesse caso, a ESPM acredita ser melhor condensar todo o processo. Outras instituições, porém, não quiseram abrir mão de questões objetivas e até mesmo dissertativas.
Diante de tal cenário, a grande questão que se coloca é como manter a lisura em uma prova a distância. É possível garantir que o indivíduo não lançará mão do Google para responder às questões? Pensando nisso, algumas faculdades investiram na tecnologia para assegurar um exame justo. Devem seguir com o e-vestibular, entre outras, a Universidade Positivo, a Fundação Getulio Vargas, a Pontifícia Universidade Católica do Paraná e a Unifacs da Bahia. Segundo o diretor da Associação Brasileira de Educação, Pedro Flexa Ribeiro, a prática de atividades on-line vai se delineando como tendência universal. “Na realidade brasileira, o maior desafio é a equidade das condições de acesso”, afirma ele.
Nem todos pensam dessa forma, incluindo aqueles que fazem a prova. Nicoli Boaretto, paulista de 18 anos, fez a prova virtual para a faculdade de direito da Fundação Getulio Vargas. Ela aguarda o resultado e diz preferir o modelo presencial: “Acho que evita que um concorrente tenha vantagem sobre o outro em relação ao computador, à estabilidade de conexão ou ao ambiente da prova”. Entretanto, Nicoli faz questão de destacar que, no seu caso específico, a instituição explicou bem o funcionamento do vestibular, cumpriu o que prometeu e ofereceu plataforma de qualidade.
De forma geral, o e-vestibular é simples de ser descrito: a faculdade cria um browser próprio, capaz de impedir que sejam abertas outras abas para a consulta de sites durante a prova. Além disso, a imagem do candidato é monitorada, como forma de assegurar que ele não acesse outros dispositivos e que esteja ele mesmo, sem ajuda alheia, respondendo às perguntas. Para participar, o estudante precisa de um computador com webcam.
Na tentativa de garantir mais transparência ao processo, algumas universidades implementarão mecanismos adicionais. A PUC do Paraná conta com um software que grava não apenas as imagens, mas também os sons emitidos ao redor do candidato. Ele tem como detectar vozes e olhares desviados da tela do computador. “O algoritmo marcará os casos suspeitos e essas gravações serão revistas pelos fiscais”, explica Vidal Martins, vice-reitor da universidade paranaense. Martins afirma ainda que as gravações serão apagadas eventualmente, mas não especifica data.
O e-vestibular, evidentemente, não é unanimidade. O risco de fraude fez com que o Ministério Público Federal entrasse com pedido para anular o processo seletivo da Universidade Federal de Pelotas, no Rio Grande do Sul. O exame, constituído de etapa única de redação, seria passível de falsificação, e a Justiça, por esse motivo, acolheu o pedido. Fraudes, entretanto, não constituem a única preocupação. Paira ainda a dúvida de como tratar de forma justa o candidato que perder a prova por falha na conexão, algo corriqueiro em um país com deficiências de infraestrutura tecnológica como o Brasil.
Apesar das eventuais desvantagens, os benefícios existem. Aqueles que residem fora do município onde fariam a prova presencial teriam a vida facilitada. Além disso, há sempre os ganhos residuais para a universidade, como a redução de custos operacionais, incluindo logística, segurança e até mesmo consumo de papel. Aos candidatos que não aprovam a ideia, restará se conformar com o novo formato, se for a única opção para entrar na faculdade desejada. Ao vivo ou pelo computador, o vestibular continuará a ser uma prova de fogo para milhões de brasileiros.
Publicado em VEJA de 18 de novembro de 2020, edição nº 2713