Próximo de nós está um exemplo de democracia direta: os donos dos apartamentos tomam decisões e escolhem o síndico do prédio. Ótima fórmula. Mas não é viável eleger por voto direto os milhares de autoridades que vão mandar no país, do administrador dos esgotos ao chefe dos bombeiros. Ainda menos meter-se nas decisões do cotidiano. Daí ser inevitável a democracia representativa: escolhe-se pelo voto o Grande Cacique e confia-se nele para delegar a seus prepostos as decisões. Apesar das falhas, não se encontrou fórmula melhor — exceto naquelas comunidades suíças em que os eleitores cabem na cervejaria local.
As universidades públicas pertencem à sociedade, por serem financiadas pelos contribuintes. Como não é possível promover uma eleição de 100 reitores por 100 milhões de eleitores — nem, muito menos, ouvir suas opiniões —, o correto seria aplicar as regras da democracia representativa. O governante eleito pelo povo escolhe o reitor. Na prática, pode errar, mas o princípio é o menos ruim. Nos Estados Unidos, o governo delega a escolha do reitor a um conselho de notáveis, próximos à universidade mas sem interesses diretos nela.
E vale sempre o princípio da assimetria de conhecimentos. Uns estão lá porque não sabem. E os que sabem mais mandam mais. Reinado supremo da meritocracia.
Para limitar o poder dos chefes, há os checks and balances, justificando os conselhos e outros corpos colegiados. De resto, mandar não é deixar de ouvir alunos, professores e funcionários — promovendo um diálogo produtivo. Mas decidir é responsabilidade com endereço único.
Segundo Henry Rosovsky (da Harvard), deve mandar quem ainda estará lá, para conviver com as consequências de suas ações. Sendo assim, poder maior aos mais longevos. Estudantes ficam de fora.
Esses princípios colidem com o sistema de eleição pelo corpo docente — que não representa senão os interesses da classe. É equivalente a eleger o presidente da República apenas com os votos dos funcionários públicos. A lista tríplice ameniza o equívoco? Na prática, não, pois já irromperam greves quando não foi escolhido o primeiro da lista. Ou seja, vozes internas não aceitam a soberania e a legitimidade do Estado, que representa a sociedade. Ignoram o setor produtivo, a sociedade civil e os pais.
Mutila a democracia entregar aos professores a governança da universidade, através do seu voto. É presentear com uma instituição pública um grupo de interesses, cuja agenda não necessariamente coincide com a da sociedade. Por exemplo, nada acontece com professores inadequados se o reitor é eleito por eles. E os cursos que perderam o sentido? No fundo, perde a maioria dos professores, vítimas de uma universidade com sua imagem erodida.
Uma consequência nefasta do nosso sistema é o emaranhado de compromissos de campanha, incluindo a nomeação de correligionários ou visando a uma composição política. E a partidarização, cada vez mais pronunciada. Nas conversas de corredor, fica patente que o peso das ideias vale mais que ser aliado.
Por que será que não há universidades de primeira linha no mundo cujo processo de escolha seja semelhante ao brasileiro?
Publicado em VEJA de 9 de janeiro de 2019, edição nº 2616