Há 50 anos os Beatles se separavam, mas o sonho não acabou naquele dia
Desentendimentos entre os integrantes deixaram insustentável a união da banda, mas o legado do quarteto de Liverpool se mantém vivo até hoje
Não faltam efemérides sobre os Beatles e a mais significativa ocorreu há exatos 50 anos, em 10 de abril de 1970, quando Paul McCartney anunciou de maneira um tanto destrambelhada, durante uma entrevista para divulgar seu primeiro álbum solo, que a banda chegava ao fim. “O sonho acabou”, cantaria John Lennon meses depois na música God, em que dizia não acreditar nos Beatles, apenas nele.
Na ânsia em encontrar um bode expiatório, os fãs apressaram-se em apontar Yoko Ono como a responsável pelo fim. Não foi. Nas cinco décadas seguintes, uma profusão de reportagens, livros, documentários e filmes demonstraram que o grupo vivia um desgaste impossível de ser contornado. Não havia, até então, (e ainda está para surgir algo igual) um fenômeno como os Beatles. Era realmente muito difícil algum deles passar incólume por isso.
Mesmo após o anúncio do fim, a banda ainda lançou um último disco, Let It Be, em maio daquele ano. O registro da gravação estará no documentário Beatles: Get Back, dirigido por Peter Jackson (sim, o mesmo de O Senhor dos Anéis), com previsão de estreia para setembro.
A tensa gravação deste álbum é apontada também como a gota d’água para o fim da banda. Mas Jackson, que teve acesso a aproximadamente 55 horas de vídeos e áudios daquelas sessões, pretende desmitificar o clima deprimente que teria tomado conta dos estúdios em Abbey Road e também da Apple Studios, na Saville Row, em Londres, em janeiro de 1969.
A hipótese para o fim que chega mais próxima da verdade é a de que o desgaste natural entre os integrantes se tornou insustentável. Paul McCartney e John Lennon já não se suportavam mais, a ponto de Lennon cantar na música solo How Do You Sleep?, de 1971, que a única coisa que McCartney havia feito foi Yesterday. Haja rancor.
Por outro lado, George Harrison já não aguentava mais ser tolhido por Lennon e McCartney. Pouquíssimas composições dele foram gravadas pelos Beatles, e as que foram entraram para a história como sendo as mais lindas da banda: Something e While My Guitar Gently Weeps.
Mas Harrison tinha muito mais. Muito mesmo. O guitarrista foi o primeiro Beatle a lançar um álbum solo após o fim da banda, com o belíssimo All Things Must Pass. O trabalho talvez seja um dos pouquíssimos álbuns da história do rock que justifique ser triplo. Após anos represando suas composições, ele deu vazão lançando tudo de uma vez só e legando para a prosperidade uma obra-prima, com pérolas como My Sweet Lord, Isn’t It a Pitty, Beware of Darkness e claro, a faixa que dá título ao álbum, onde afirma profeticamente que tudo vai passar.
Fã de Fórmula 1, Harrison era amigo de Emerson Fittipald e foi o primeiro Beatle a visitar o Brasil, em 1979, embora não para tocar e, sim, para assistir a um grande prêmio no país. Em 1999, sua casa foi invadida por um homem e ele sobreviveu a diversas facadas no peito. Poucos se lembram também, mas em 2001, no ano em que morreu, Harrison gravou as guitarras da música Anna Julia, da banda brasileira Los Hermanos, em um cover em inglês cantado pelo britânico Jim Capaldi.
Talvez ninguém, no entanto, tenha marcado tanto a história do rock quanto John Lennon. Nos dez anos seguintes após o fim dos Beatles, até o seu trágico assassinato, ele fez campanha pela paz, ao ficar na cama com Yoko Ono e lançou o hino pela paz Imagine. Apenas isso já seria o suficiente para colocá-lo entre os maiores da música.
O mais prolífico de todos e dono de hits imortais foi mesmo Paul McCartney. Sua carreira posterior aos Beatles nos dá um pequeno vislumbre do que a banda seria se tivesse continuado junta. O baixista não parou de produzir e em seu voo solo fez parceria com todo mundo, desde Michael Jackson (a quem deu a “dica” para comprar todo o acervo dos Beatles), passando por Stevie Wonder até Rihanna e Kannye West. Aos 77 anos, McCartney segue excursionando pelo mundo com shows de três horas onde toca várias faixas dos Beatles sem alterar uma nota original, enchendo de saudosismo os fãs antigos e conquistando outros tantos mais novos.
Alvo frequente de chacota como sendo o beatle menos expressivo, o baterista Ringo Starr é o apontado pelos pesquisadores como o responsável por manter os Beatles unidos por tanto tempo. O perfil amigável e apaziguador de Ringo foi capaz de resolver divergências aparentemente insolúveis entre Paul e John. Se a banda ficou junta por quase dez anos, parte da responsabilidade por isso é do baterista.
Cinquenta anos depois do fim, mais do que nunca, o legado dos Beatles continua vivo em milhares de biografias, em documentários, filmes e até em videogames. Hoje, qualquer pessoa pode ouvir os hits imortais do quarteto de Liverpool com apenas um clique nas plataformas de streaming. Os Beatles acabaram, mas o sonho não.