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Ney Latorraca: ‘Eu não queria fazer ‘Vamp”

Pronto para retornar ao figurino do famoso vampiro, ator fala a VEJA sobre fama, TV e o período no hospital: ‘fiquei entre a vida e a morte’

Por Mônica Garcia
22 fev 2017, 16h48

De hábitos simples, Ney Latorraca anda de metrô pelo Rio de Janeiro – foi dessa forma que chegou para a entrevista no teatro Riachuelo, no centro da cidade. O ator de 72 anos de idade e 53 de carreira vai ao banco pagar suas contas, caminha todos os dias e conversa com suas “amigas” capivaras na Lagoa Rodrigo de Freitas, gosta de ficar em casa assistindo televisão, ou Netflix, além de séries como Game of Thrones, e canais de leilão de joias na madrugada.

“Sou muito popular. Sou um ator pop. Eu passo na Lagoa, falo com todo mundo, faço selfie, protejo as minhas capivaras, só não gosto que interrompam minha caminhada. Lá eu vejo como as pessoas não esquecem meus personagens, me chamam de Vlad (da novela Vamp), Barbosa (TV Pirata), Quequé (Rabo de Saia)”, diz, orgulhoso, o ator.

É com o popular Vlad, aliás, que Latorraca organiza seu retorno aos palcos, ao lado de Claudia Ohana, com Vamp: O Musical, peça inspirada na novela exibida pela Globo entre 1991 e 92. A produção, dirigida por Jorge Fernando com texto de Antonio Calmon, está prevista para estrear em 17 de março, no Teatro Riachuelo Rio.

Foi na casa de espetáculos que o ator recebeu a equipe de VEJA para uma longa e divertida conversa. Confira:

Vamp foi uma novela de grande sucesso, marcou uma geração no início dos anos 1990. Como foi fazer esse personagem na televisão? Eu não queria fazer Vamp. Na verdade, o Victor Fasano é que faria o Vlad. Eu estava em cartaz com O Mistério de Irma Vap, em São Paulo, e achava que seria puxado. Então, a minha mãe sugeriu que eu fizesse uma participação de nove capítulos. Fiz a primeira cena em frente ao teatro em São Paulo, era uma cena em que eu levantava os óculos. Na hora senti que não iriam ser só nove capítulos, aquilo ia dar certo. Consegui conciliar os dois. E foi quando começou a entrar dinheiro mesmo na minha vida.

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O que fez com esse dinheiro? Consegui dar um carro com motorista para a minha mãe, montei casa para ela em tudo quanto foi lugar. Ela e o marido viajavam muito. Para mim, era um prazer ajudar. Batia o cansaço, mas eu não me importava. E o bacana é que eu conquistei o público que mais gosto e que é o mais difícil: as crianças. Conquistando as crianças, você conquista toda a família. Era uma coisa natural, mas estudada. Pensava, “Vou propor isso para o Jorginho (Jorge Fernando, diretor da novela e do musical)”, como a cena em que mordia a Natasha, personagem da Claudia Ohana, em que troquei o “gostoso” por “gotoso” e ficou. As crianças amam isso, esses signos que você joga para o público, aprendi com o Antunes Filho.

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Como é transpor Vamp da televisão para o teatro, em forma de musical? Eu me sinto como um ator recém-formado. E é engraçado porque, com a idade, você vai ficando mais responsável perante o público. Está sendo uma delícia trabalhar novamente com a Claudia Ohana, as cenas vêm à memória. Eu sempre faço o que quero. Desde quando morava em Santos, mirava trabalhar com alguém ou fazer alguma peça e ia atrás. Acho que por ter visto meus pais terem aquela vidinha difícil de não ter o que comer em casa, ter só uma refeição, tudo muito pobre, eu sempre quis mais.

Qual a importância de ressuscitar Vamp como um musicalA importância de trazer alegria, pois estamos precisando, e esse é um dom que é meu. É um dom que eu descobri como ator, de trazer alegria. É uma chave que tenho, não é macete ou uma muleta. Eu vim com isso, faz parte de mim. Tem uma história que mostra bem esse meu lado. Quando a Cissa (Guimarães), perdeu o filho, o Rafael Mascarenhas (o jovem foi atropelado dentro de um túnel na Gávea, no Rio de Janeiro, em 2010) fui levar empadinhas para ela. Uma hora depois, a Cissa estava dando gargalhadas comigo. Quando eu cheguei em casa, pensei: “não agi certo, não era o momento de levá-la ao riso”. Então liguei para ela e pedi desculpas, que aquele não era o momento para isso. Ela me respondeu: “você não pode imaginar o bem que você me fez”. Acho que essa é a minha função, o meu dom. Claro, que o palhaço trinca às vezes. Minha mãe morreu eu fiquei muito mal, não perdi só a minha mãe, perdi minha amiga e minha maior crítica. A morte da Marília Pêra também ainda não me acostumei.

Como foi receber a notícia da morte de Marília? Marília foi minha madrinha, minha amiga. Foi péssimo receber a notícia da morte dela, foi como ter perdido a minha mãe, a minha irmã. Sinto muito a falta dela. Essa ficha ainda não caiu e não vai cair… Um pouco antes dela morrer, ela passou de carro por mim e depois me ligou dizendo: “passei de carro e você está com uma postura toda torta andando”. Eu só respondi: “sua cansativa”. Fazíamos isso o tempo todo. Eu sinto falta dela em tudo. Mas continuo conversando muito com ela, onde ela esteja.

Você passou por um grande susto em 2012, e ficou 47 dias internado, após complicação em uma cirurgia para retirada de um cálculo da vesícula. Sentiu medo de morrer? Posso dizer que eu quase morri mesmo. Deu uma complicação e fiquei na UTI mal. Depois demorei a voltar a andar e falar. Eu fui para o outro lado e voltei, mesmo. Eu morri. Teve uma hora que os médicos quase desistiram. Mas eles tentaram e tentaram, até a cama quebrou em uma dessas tentativas, vieram médicos de fora, mudaram fios, foram todos fantásticos. A partir daí as coisas mudaram completamente para mim. A Globo montou uma estrutura para que ninguém se aproximasse. Todos foram maravilhosos comigo. Quando eu voltei pra casa e andei pela primeira vez na Lagoa, aquilo virou uma comoção, as pessoas vinham emocionadas e eu vi o quanto era querido.

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Eu fui para o outro lado e voltei, mesmo. Eu morri. Teve uma hora que os médicos quase desistiram. A partir daí as coisas mudaram completamente para mim.

Ney Latorraca

O que mudou para você depois dessa experiência? Uma coisa muito delicada na minha volta para o trabalho e que deixou todo mundo grilado era como seria, já que eu havia tomado muita anestesia. A nossa preocupação era como ficaria a minha cabeça para decorar um texto, por que você apaga tudo. Eu não uso ponto eletrônico. Quando eu voltei no especial de fim de ano com o Luiz Fernando Carvalho em Alexandre e Outros Heróis, ele perguntou se eu queria usar o ponto, eu falei que não. Decorei 50 páginas, já que tudo ficava em cima do Alexandre e dos outros heróis.

Em momentos complicados da sua vida, como na perda da sua mãe e na sua recuperação após a cirurgia, o trabalho te resgatou? É verdade. Durante a minha recuperação em 2013, o Luiz Fernando Carvalho me ligou e convidou para fazer Alexandre e Outros Heróis. Eu estava muito frágil, andava e falava devagar. Ele pediu para eu ir a Alagoas, onde gravamos, e ele resolveu fazer uma homenagem em uma cena para mim e para minha mãe: era uma cena em que eu saia de dentro do rio, e dizia: “eu voltei”. E foi muito importante pra mim, porque eu renasci ali. A série foi indicada ao Emmy Internacional. E de repente eu estou em Nova Iorque, vendo a minha cara naqueles seis telões. Isso é muito louco. O meu irmão Marco Nanini, é outro que sempre esteve comigo, principalmente, nas horas que eu mais precisei. Quando a minha mãe morreu a primeira coisa que ele fez foi montar uma peça pra mim. No dia em que ela morreu ele me deu O Médico e o Monstro. E eu me vi na obrigação de decorar e dançar. Eu deitado na cama, não comia nada, só comia figo, caqui tudo que era fácil de comer e não precisasse mastigar muito. Eu tenho 1,80 m e peso hoje 80 Kg, naquela época eu pesei quase 50 Kg. Ele me ligava e dizia: “Se você não vier, te busco”. Ele e a Marília Pêra, em momentos difíceis da minha vida, me resgataram e foram tudo pra mim.

Você foi casado com a Inês Galvão por 4 anos. Foi primeiro namorado de Christiane Torloni. Revelou que teve relações homossexuais, mas nenhuma marcante. Você vê problema em falar da sua sexualidade? Fui casado com a Inês. Quando namorei a Christiane dei um urso de pelúcia grande pra ela e me arrependi tanto. Foi caro e ela depois começou a namorar o Dênis Carvalho. Na verdade dei pra ela um amigo urso, o Dênis. Já sobre esse assunto de sexualidade, prefiro que fique por aí mesmo.

No momento você está sozinho? Hoje estou sozinho, estou comigo e muito bem. Depois que fiquei entre a vida e a morte, comecei a dar valor ao cotidiano. Você não pode imaginar o que é tomar um banho sozinho, se enxugar, você não pode imaginar o que é isso. São pequenas coisas. Uma coisa que amo e é uma bobagem, mas eu gosto de fazer: misturar o café com leite, mexer e pegar a colher e lamber ela. Quando eu faço isso, tenho a temperatura do café e como está de açúcar. Quando estava ainda no hospital pedi que me levassem a VEJA para eu adivinhar a capa. Aí comecei: É Brasil? É mulher? Aí era um ovo. Fiquei com ódio que era um ovo (risos). Nesse dia, quando me entregaram a revista — tenho a mania de ler de trás para frente — e eu não conseguia folhear com as mãos então folheei com a língua. Tudo passa a ter outro sentido quando você retoma seu corpo.

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Estou sozinho, estou comigo e muito bem. Depois que fiquei entre a vida e a morte, comecei a dar valor ao cotidiano. Você não pode imaginar o que é tomar um banho sozinho, se enxugar, você não pode imaginar o que é isso.

Ney Latorraca

Ainda tem o sonho de ter um filho? Não tenho mais esse sonho, não penso mais nisso. A minha mãe antes de morrer me deu a ideia de fazer um testamento deixando os meus bens para o Retiro dos Artistas, para o GAPA de Santos (Grupo de Apoio à Prevenção à Aids) onde sou patrono, para a Hanseníase de Campo Grande e para a ABBR (Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação), e eu fiz isso. Eles são meus herdeiros. Eu não preciso de nada disso, o meu ego já está bem alimentado.

Em tempos de glamourização da profissão, você não abre mão de hábitos simples como andar de metrô. Como convive com esses dois mundos? Ando de metrô para todo lado. Eu atendo minhas ligações, não tenho assistente para nada. Eu sou o meu assistente de tudo. Eu faço meu contrato. Não terceirizo nada. Acho que quando você se afasta dessa glamourização as coisas são melhores. Atravesso o tapete vermelho do Festival de Cannes ou de um Emmy Internacional de smoking lindamente, mas acho que é uma brincadeira, uma farra, é um dia. Mas não é essa a minha realidade. Não sei viver com nariz empinado. Se eu sinto que não estou bem, que vou ser indelicado com alguém, eu nem saio de casa, prefiro ficar comigo.

Como você avalia as mudanças que as produções da teledramaturgia tiveram nos últimos anos? Vê diferença, principalmente, com a entrada de plataformas como Netflix ou das programações on demand? Tenho visto que tá melhorando e evoluindo. A qualidade está melhor. Não podemos viver de saudosismo. Hoje você vai gravar uma cena e demora mais tempo, porque tem uma qualidade maior, tem o HD. Uma vez fui ver uma cena minha no ar e parecia que eu tinha levado uma unhada enorme e quando eu olhei no espelho era algo tão pequeno que fiquei surpreso.

O ator Ney Latorraca

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O que gosta de assistir na TV? Eu vejo de tudo. Desde programa que vende anéis, que, aliás, acho interessantíssimo, até séries como Game of Thrones e The Affair. Vejo tudo da Netflix. Já comprei muita coisa nesses canais de vendas. Tenho tanto conjunto de faqueiros em casa. Tenho facas de tudo quanto é jeito, não sei por que compro tanta faca. Minha empregada é que briga comigo, diz que quer panela e facas normais, as velhas. Ela diz que usa as facas bem velhinhas, que eram da minha mãe, que essa é que corta, e não essas de cabos coloridos ou elétricas que eu compro.

Você estava gravando Brasil a Bordo, novo seriado da Globo, e deixou o projeto alegando cansaço. Foi cansaço mesmo? Eu cheguei a gravar algumas cenas, mas sai porque eles queriam regravar e eu estava cansado. Não tive mais vontade de fazer. Estava cansado mesmo. Eu adoro o Miguel (Falabella, que dirige a série). Mas naquele momento eu estava precisando de um tempo meu.

Você participou das Diretas Já e de passeatas contra o regime militar. Como você vê a avalia a política brasileira hoje? Na última eleição para presidente eu votei no Aécio Neves. Mas ninguém vai me chamar de coxinha, acho um horror isso. Cada um tem a sua posição. Acho que a partir de 2017 só vem coisas boas, não dá mais para ir mais baixo.

Ninguém vai me chamar de coxinha, acho um horror isso. Cada um tem a sua posição. Essa coisa de eu sou um brasileiro e você outro, isso é um atraso que não serve pra nada.

Ney Latorraca

Como você vê essa dicotomia dos rótulos de esquerda e direita? É muito chato, é cansativo. Eu sei de uma coisa: estou a favor do meu país. Não quero Fora Brasil, eu quero Dentro Brasil, meu país dentro da história e eu fazendo parte dela. Eu acredito em pessoas, não partidos. Cada um pode levantar a bandeira que quiser, eu não quero ficar com bandeirinhas nas mãos. Penso que se tem os coxinhas, tem o José de Abreu ou a Letícia Sabatella do outro lado. Eu quero sempre respeitar todos, ela como atriz, o Zé como grande ator que é, mas com respeito e que possamos caminhar juntos. Essa coisa de eu sou um brasileiro e você outro, isso é um atraso que não serve pra nada.

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Hoje qualquer um pode ser um paparazzo, basta ter um celular na mão. A fama atrapalha sua privacidade? Adoro. Eu já tenho os meus que ficam todos os dias na Lagoa. Eu passo e cumprimento, converso. Brinco que tenho que encolher a barriga quando passo perto, pra ficar melhor nas fotos. Uma vez escreveram algo assim: “Ney Latorraca no auge… Enxuto andando na Lagoa”. Fui ler os comentários, um horror: “Velho fdp”, “Ele já não morreu?”. Parei de ler no “Nojento, amigo das capivaras”, nunca mais li comentários.

É vaidoso? Sou muito vaidoso. Uma vez estava na Lagoa andando e todo mundo me cumprimentava. Pensei “como estou bem hoje”. Eu de calção preto me olhei e disse “estou bem, mesmo”. Passou um ônibus e uma pessoa grita “aí Zagallo”. Eu pensei na hora: o Zagallo tem 82 anos e eu 72. Nada contra o Zagallo, mas tem uma diferença, não posso responder, já pensou se esse homem desce do ônibus e me massacra. Como me confundem.

Em 2014, durante a peça Entredentes, do Gerald Thomas, você parou o espetáculo e discutiu com uma senhora na primeira fila que lhe ofendeu. Como vê esses ataques preconceituosos e até homofóbicos? Me arrependi amargamente da minha atitude. O errado fui eu, eu não podia ter feito aquilo. Eu não podia ter parado o espetáculo e feito o que fiz. Foi uma indelicadeza minha e que não tem nada a ver comigo. Foi um momento ruim. É muito chato barulho no teatro, já tem o “complô do telefone”, todo mundo falando baixinho no celular, fazendo barulho com papeizinhos, essas coisas levam a gente à loucura. Eu não podia ter feito o que fiz, de discutir com a senhora. Eu a ofendi e a plateia falou: “ela é uma senhora de 70 anos”. E eu respondi: “mas eu tenho 71”. Eu tinha que ter parado e ido para o camarim. A falta de educação do público incomoda bastante.

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