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O fim do relógio

Como se deu com a bengala e o chapéu, sua extinção é uma sina

Por Walcyr Carrasco
Atualizado em 4 jun 2024, 15h06 - Publicado em 17 jan 2020, 06h00

Surpreenda-se. O relógio seguirá a mesma sina da bengala e do chapéu. Eles não entraram em extinção absoluta. Mas seu uso diário, imprescindível, já se foi há muito tempo. Houve uma época em que homem não saía de casa sem chapéu. Ou ao menos um boné, uma boina. Cabeça descoberta, sei lá… era até feio. Bengala também fazia parte do figurino de um senhor respeitável. Hoje só é usada por necessidade. Chapéu, para dar um charme ao visual. Mas chapéus aparecem mais em fotos de moda que nas cabeças masculinas. Aquilo que foi uma indústria vigorosa, que criou fortunas, virou um negócio muito, mas muito menor. Já tentaram relançar o chapéu várias vezes. Passa a ondinha e ele desaparece. Mais ou menos como o maiô inteiriço para mulheres. Depois que surgiu o biquíni, o mundo da moda já tentou vários movimentos para ressuscitar o maiô. Mas a maioria gosta mesmo é de um fio dental.

A função original do relógio — ver as horas — se perdeu. As grandes marcas conseguiram dar-lhe uma sobrevida: transformaram o relógio em joia. Alardeia-se que ele é a joia masculina. Há modelos caríssimos, prestigiados, que se transformaram em símbolos de status. Mas as novas gerações só se interessam por relógios digitais, com múltiplas funções, que eventualmente fornecem as horas. É mais uma sobrevida. Mas o celular já dá as horas, tem alarmes. O relógio é optativo, e o digital nem todo mundo usa. Eu já tive um amigo apaixonado pelos antigos, de bolso. Um charme. Comprou um. Usou duas vezes. As calças de hoje não têm sequer o bolsinho do relógio. A forma de vestir se aperfeiçoou ao longo dos séculos e segue uma lógica. Algo deixou de ser necessário? Aos poucos vai saindo do figurino… O relógio símbolo de autoridade, que passava de pai para filho, está seguindo esse caminho. Como a gravata-­borboleta, que todo mundo acha uma gracinha mas pouquíssimos usam. A própria gravata deixou de ser obrigatória há muito tempo. Tal como o smoking. Há quem resista, ache chique. Mas, se sou convidado para uma festa a rigor, tenho arrepios. Ninguém mais quer roupa complicada, eis tudo.

“O canto do cisne do relógio tradicional é apenas a ponta do iceberg. Muitos outros itens ainda vão desaparecer”

Faço agora uma previsão. O cinto, não sei quanto durará. As grandes grifes estão lançando calças estilo moletom o tempo todo. E looks de moletom com paletó. É o moletom chique. São mais confortáveis. A roupa do homem tenderá cada vez mais para um moletom com tênis do que para uma calça apertada na barriga. O traje masculino não comporta mais documentos, cartões de crédito, carteira, celular, carregador. Os bolsos das calças e paletós são poucos e desconfortáveis. Ainda mais se houver um laptop para carregar. O futuro é das mochilas ou bolsas práticas.

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O modo de trajar masculino está mudando completamente. O canto do cisne do relógio tradicional é apenas a ponta do iceberg. Muitos outros itens ainda vão desaparecer. Como o lenço de pano. Antes ninguém saía de casa sem um, para o caso de espirrar. Tente lembrar. Qual foi a última vez em que você usou um lenço de pano? Seu filho adolescente tem um?

Publicado em VEJA de 22 de janeiro de 2020, edição nº 2670

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