Fortaleça o jornalismo: Assine a partir de R$5,99
Continua após publicidade

Segundo Pulitzer de Whitehead mostra força dos autores negros americanos

Autor lidera movimento de escritores que desenterram o passado para expor o preconceito racial americano

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 14h30 - Publicado em 22 Maio 2020, 06h00

Elwood é um polido adolescente negro em meio à segregação racial americana dos anos 60. Otimista, ele repete as frases de Martin Luther King como se fossem a Bíblia. Diante de tudo que lhe é oferecido, reage com arraigada obediência: “Preciso perguntar à minha avó”. Certo dia, o garoto pega carona em um carro roubado e é condenado por um crime que não cometeu. A intempérie é uma das muitas que lhe revelarão as dores do racismo. O fantasma que persegue o protagonista do romance O Reformatório Nickel é o mesmo que, na vida real, sempre assombrou seu autor, o nova-iorquino Colson Whitehead: o medo de ser vítima de um golpe do destino potencializado pela cor da pele. Criado em família de classe média alta, formado pela Harvard e hoje professor de Princeton, o escritor de 50 anos não enxerga na sua origem privilegiada uma armadura contra o preconceito. “Quando vejo uma viatura, imagino se não será o dia em que minha vida tomará outra direção”, disse à Time, expondo a opressão policial contra os negros nos Estados Unidos. Não à toa, a revista americana o alçou ao posto de narrador oficial dos dilemas raciais do país.

Chimamanda-Ngozi-Adichie
FIGURA POP – Chimamanda Ngozi Adichie: feminismo e cultura afro que conquistaram leitores famosos (Corbis/Getty Images)

Raro exemplar de sucesso de público e de crítica, com vendas na casa do milhão, Whitehead reforça um consistente movimento de autores que não só se propõem a tirar a sujeira do racismo de debaixo do tapete como dão vazão a elementos da cultura africana vindos de antepassados escravizados e pouco iluminados pela literatura. São nomes como Ta-Nehisi Coates, Paul Beatty e a nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie — que tem entre seus fãs a cantora Beyoncé. Todos trilham um caminho aberto em um passado não muito distante por Toni Morrison (1931-2019), a primeira mulher negra a vencer o Nobel da Literatura, e pelo valoroso James Baldwin (1924-1987), redescoberto pelo cinema em 2018 na adaptação de Se a Rua Beale Falasse. Whitehead se mostra a melhor combinação atual dos dois predecessores. Dono de uma narrativa furiosa, em que o realismo brutal se mistura a pitadas de fantasia, o autor transforma cenários e eventos reais do passado em palco de instigantes personagens fictícios que espelham o presente.

+ Comprar livro O Reformatório Nickel
+ Compre o livro The Underground Railroad: Os caminhos para a Liberdade
+ Compre o livro Se a Rua Beale Falasse

Tal desenvoltura acaba de fazer dele o quarto nome a conquistar um segundo Pulitzer de ficção na história centenária do importante prêmio literário. O passaporte para a façanha foi o cortante O Reformatório Nickel (HarperCollins), ambientado em um internato para menores infratores, que foi lançado no país em 2019. O colégio foi inspirado em um reformatório real que funcionou na Flórida de 1900 a 2011, quando veio à luz que o lugar era um recinto de tortura mental e física, com um cemitério clandestino onde jaziam ossadas de jovens.

Continua após a publicidade
2016_44_paul_beatty.jpg
PROVOCADOR - Paul Beatty: com seu humor afiado e cheio de acidez, o autor já falou sobre um personagem negro que queria a volta da segregação (./Divulgação)

Não era intenção de Whitehead escrever sobre um tema tão pesado logo após The Underground Railroad: Os Caminhos para a Liberdade — livro sobre escravos fugitivos do século XIX que lhe deu o primeiro Pulitzer, em 2017. Ele garante, porém, não ter tido escolha. Se The Underground Railroad, seu sexto e mais aclamado romance, veio numa hora em que os liberais americanos celebravam a emergência das tramas sobre minorias — conquistando até o então presidente Barack Obama —, O Reformatório Nickel é fruto de um momento oposto. Com a eleição de Donald Trump e a retomada de movimentos supremacistas, Whitehead se viu obrigado a retornar a temáticas desagradáveis. A necessidade provou-­se um teste: segurar o leitor apesar do enredo devastador é uma de suas qualidades. A dureza do reformatório e da política segregacionista na década em que a trama se passa ganha um retrato palatável graças à amizade dos protagonistas, o certinho Elwood e o astuto Turner, dois jovens negros à mercê de um mundo que os repele. A dupla luta para deixar o lugar de vítimas rumo ao de agentes da própria história.

+ Compre o livro O Vendido
+ Compre o livro Hibisco Roxo

Linha parecida segue o jornalista Ta-Nehisi Coates, que divide o tempo entre ensaios sobre o racismo e as tramas de Pantera Negra nos quadrinhos da Marvel — no ano passado, ele lançou o primeiro romance, The Water Dancer (ainda sem tradução no Brasil), a respeito de um escravo que usa poderes sobrenaturais para fugir do senhorio. Na outra ponta, o ácido Paul Beatty fez barulho com O Vendido (Todavia), sobre um negro que tenta reinstaurar a segregação racial — a qual, segundo ele, nunca foi de fato bem desfeita. Já a pop Chimamanda apimenta a discussão do racismo com ponderações feministas. São poderosas palavras que, enfim, conquistam seu lugar ao sol.

Continua após a publicidade

Publicado em VEJA de 27 de maio de 2020, edição nº 2688

CLIQUE NAS IMAGENS ABAIXO PARA COMPRAR

Segundo Pulitzer de Whitehead mostra força dos autores negros americanosSegundo Pulitzer de Whitehead mostra força dos autores negros americanos
O Reformatório Nickel
Segundo Pulitzer de Whitehead mostra força dos autores negros americanosSegundo Pulitzer de Whitehead mostra força dos autores negros americanos
The Underground Railroad: Os caminhos para a Liberdade
Segundo Pulitzer de Whitehead mostra força dos autores negros americanosSegundo Pulitzer de Whitehead mostra força dos autores negros americanos
Se a Rua Beale Falasse
Segundo Pulitzer de Whitehead mostra força dos autores negros americanosSegundo Pulitzer de Whitehead mostra força dos autores negros americanos
O Vendido
Segundo Pulitzer de Whitehead mostra força dos autores negros americanosSegundo Pulitzer de Whitehead mostra força dos autores negros americanos
Hibisco Roxo
logo-veja-amazon-loja

*A Editora Abril tem uma parceria com a Amazon, em que recebe uma porcentagem das vendas feitas por meio de seus sites. Isso não altera, de forma alguma, a avaliação realizada pela VEJA sobre os produtos ou serviços em questão, os quais os preços e estoque referem-se ao momento da publicação deste conteúdo.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

a partir de 39,96/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.