Fortaleça o jornalismo: Assine a partir de R$5,99
Política

A Petrobras e os políticos

A tortuosa relação entre a maior empresa estatal do Brasil e os governantes do país nas últimas seis décadas

por Guilherme Venaglia Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 21 jun 2022, 17h54 - Publicado em
1 jun 2018
06h00

Como um gigante pano de fundo por trás de toda a longa negociação entre governo e caminhoneiros para encerrar a greve que durou dez dias e impactou o país estava a maior estatal brasileira, a Petrobras. Irritados com as sucessivas altas no preço do óleo diesel, motoristas bloquearam 632 pontos em rodovias de vários estados (no auge dos protestos, de acordo com a Polícia Rodoviária Federal) e provocaram uma crise geral de abastecimento.

Pressionados por uma população que majoritariamente – 87%, segundo o Datafolha – apoiava o movimento, parlamentares de todas as matizes vieram a público defender uma nova mudança na política de preços praticada pela estatal, que hoje segue critérios de mercado – pressão, esta, que resultou no pedido de demissão do presidente da estatal, Pedro Parente, na manhã desta sexta-feira, 1º. É mais um episódio da longa e controversa relação entre os políticos e a gestão da empresa, utilizada diversas vezes para fins ideológicos ao longo de seus 65 anos de história.

Neste dossiê, VEJA relembra episódios da relação entre governo e a mais pujante das quase 150 estatais existentes no Brasil. O certo é: desde sempre foi controverso o papel que a Petrobras exerce (ou deveria exercer) na sociedade brasileira – dos muitos que esperam dela um papel social, quase filantrópico, aos que gostariam de vê-la privatizada e fora do controle do estado.

Getúlio e ‘O petróleo é nosso’

O presidente Getúlio Vargas assina a Lei 2.004, de 1953, que criou a Petrobras e estabeleceu o monopólio estatal do petróleo
O presidente Getúlio Vargas assina a Lei 2.004, de 1953, que criou a Petrobras e estabeleceu o monopólio estatal do petróleo (Agência Petrobras/Divulgação)

Desde a raiz, a Petrobras tem ligação umbilical com o nacionalismo e com uma certa desconfiança de interesses de empresas e investidores externos. É a Lei 2.004, de 1953, sancionada pelo presidente Getúlio Vargas, que criou a estatal, ao mesmo tempo que dava à União, através da nova empresa, o monopólio da extração e refino de petróleo em terras brasileiras.

Essa não foi a posição inicial do governo brasileiro. Em 1948, o antecessor de Vargas, Eurico Gaspar Dutra, ensaiou um projeto de lei que permitia a participação estrangeira. A justificativa era a incapacidade técnica da indústria brasileira em executar o projeto.

Foi o gancho para o surgimento da campanha populista “O Petróleo É Nosso”, até hoje no imaginário popular, encampada por uma miríade de grupos da sociedade civil e políticos por eles influenciados. O grupo ia do Clube Militar e da União Democrática Nacional (UDN) à direita até a União Nacional dos Estudantes (UNE) e o antigo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), à esquerda.

Ao contrário do que ficou para a história, o próprio Vargas via o mesmo que Dutra e tinha dúvidas sobre a capacidade – e mesmo as vantagens práticas para a economia –, tanto que no primeiro formato do projeto que criou a estatal, ela não teria exclusividade sobre o petróleo. No entanto, ao perceber a pressão do Congresso, ele logo escanteou a ideia e colocou a empresa para trabalhar a seu favor: incluiu-a em seu projeto nacionalista e a exibiu ao sujar as mãos de petróleo e assinar em público o nascimento da empresa, incluído o monopólio.

Publicidade

O 'Brasil grande' dos militares

Ernesto Geisel: o único a ser presidente da Petrobras e da República
Ernesto Geisel: o único a ser presidente da Petrobras e da República (Carlos Namba/Dedoc)

Dos cinco presidentes da ditadura militar, o general Ernesto Geisel é o que teve relação mais próxima com a Petrobras. Ele foi o presidente da estatal durante o governo de Emílio Garrastazu Médici e colocou a empresa para trabalhar a favor do slogan do “Brasil grande” defendido pelos militares.

Na Petrobras, esse projeto foi marcado por uma política de expansão, com a abertura da BR Distribuidora e a ampliação dos campos de exploração pelo país, incluindo o de Campos (RJ), até hoje um dos principais do Brasil. O destaque para o projeto foi tanto que fez de Geisel o sucessor de Médici na Presidência da República, em 1974.

Foi com Geisel que o movimento que vinha desde o golpe de 1964, que cogitava a possibilidade de abrir o mercado para a concorrência externa, se fechou. Tanto como presidente da Petrobras, quanto à frente do Planalto, ele defendia fortemente que encerrar o monopólio poderia acarretar o desabastecimento de petróleo.

A história já levantou suspeitas, nunca confirmadas, sobre essa posição – afinal, foi durante a expansão dos anos 1970 que muitas empresas posteriormente envolvidas com os escândalos da Operação Lava Jato, como a Odebrecht e a Camargo Corrêa, começaram a ganhar muito dinheiro na execução de projetos do governo. 

Publicidade

O fim do monopólio e a privatização

Os logos da estatal: o tradicional e o ‘PetroBrax’, tentativa do governo FHC de “internacionalizar” a empresa e que foi acusada de ser balão de ensaio para a privatização
Os logos da estatal: o tradicional e o ‘PetroBrax’, tentativa do governo FHC de “internacionalizar” a empresa e que foi acusada de ser balão de ensaio para a privatização (//Reprodução)

Passado o rescaldo nacionalista dos militares, a Petrobras lentamente entrou no fluxo neoliberal dos anos 1990 e teve a sua privatização cogitada diversas vezes. O governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) foi o mais acusado de querer vender a empresa, principalmente em dois momentos: em 1997, quando decretou o fim do monopólio; e três anos depois, com a proposta de mudança do nome comercial da estatal para “PetroBrax”.

Durante a apresentação da marca, o presidente da companhia, Henri Philippe Reichstul, afirmava que o objetivo do nome era “internacionalizar” a empresa, que, sem o monopólio, passaria a atuar a nível mundial, concorrendo com outras pelos mercados dentro e fora do Brasil. Já sindicalistas e parlamentares da oposição acusavam o governo de ensaiar a venda, enfraquecendo a imagem histórica da empresa, atrelada ao nacionalismo.

Ao final das contas, nem uma coisa nem a outra acabou mudando o panorama da Petrobras. O nome “PetroBrax” não pegou e os tucanos seguiram negando até a morte que quisessem vendê-la. Já o fim do monopólio permitiu que pequenas empresas entrassem no mercado, mas, como foi possível ver durante a greve recente, não afetou o domínio da estatal, que ainda controla cerca de 99% do mercado.

Entre outros motivos, pelo tamanho colossal da Petrobras e a dificuldade de concorrer com a estatal por preços. Isso porque, mesmo em governos com o discurso de “profissionalizar” a Petrobras, a empresa continuou a ser usada para conter a inflação por motivos políticos – em 2002, FHC, a pedido do então candidato à Presidência José Serra (PSDB), determinou que o preço do gás fosse congelado.

Publicidade

O PT e o petrolão

O então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, coloca as mãos no petróleo durante visita ao navio-plataforma FPSO, localizado no Campo de Tupi, litoral sul do Rio de Janeiro – 28/10/2010
O então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, coloca as mãos no petróleo durante visita ao navio-plataforma FPSO, localizado no Campo de Tupi, litoral sul do Rio de Janeiro – 28/10/2010 (Wilton Junior/Estadão Conteúdo)

Apesar de escândalos e denúncias de pagamento de propina diversos registrados ao longo da história, foi durante os governos do PT que surgiu um dos maiores casos de corrupção da história, o “petrolão”, nome dado aos desvios sistemáticos cometidos na Petrobras por diretores indicados por partidos políticos.

Ao se tornar presidente, Luiz Inácio Lula da Silva nomeou para o comando da estatal José Eduardo Dutra, senador e militante histórico do PT, sucedido por outro petista, José Sérgio Gabrielli. Nas direções, nomes indicados por petistas, pelo PP e pelo MDB – partidos aliados ao governo – tinham a finalidade de ser verdadeiros arrecadadores de propina, segundo as denúncias apresentadas pelo Ministério Público Federal (MPF) no âmbito da Operação Lava Jato.

Indicado pelo PP, o então diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa, se reúne com o presidente da estatal, o petista Sérgio Gabrielli, a então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva
Indicado pelo PP, o então diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa, se reúne com o presidente da estatal, o petista Sérgio Gabrielli, a então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Ed Ferreira/Estadão Conteúdo)

Para além da roubalheira institucionalizada, os executivos deveriam ainda privilegiar os interesses políticos – isto é, os interesses comerciais do cartel de empreiteiras que repassava milhões para os partidos – aos objetivos de negócio da Petrobras, além de direcionar as licitações. Obras e investimentos desnecessários foram feitos em detrimento de outros e da remuneração dos acionistas.

Publicidade

Os preços x os políticos

O presidente Michel Temer e o presidente da Petrobras, Pedro Parente, participam da divulgação do Plano de Negócios e Gestão 2018-2022 da Petrobras – 21/12/2017
O presidente Michel Temer e o presidente da Petrobras, Pedro Parente, participam da divulgação do Plano de Negócios e Gestão 2018-2022 da Petrobras – 21/12/2017 (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

O congelamento dos preços do gás realizado por FHC em 2002 não foi o primeiro nem o único. Durante a ditadura militar, esse era um expediente comum do governo ditatorial, mas a baixa transparência não permite que se saiba exatamente quantas vezes nem em que grau.

No passado recente, no entanto, não se tem notícia de algo na mesma dimensão do que a política adotada durante o primeiro governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). A fim de controlar a inflação que começava a demonstrar os sinais da explosão que viria em 2015, a petista impôs o controle dos preços aos custos dos cofres da estatal. A junção entre as descobertas de uma corrupção generalizada e a adoção de uma política suicida para seu caixa levou a Petrobras ao seu menor valor de mercado em março de 2016, quanto foi cotada a 126 bilhões de reais.

Apesar de reproduzir a política de partilha de cargos dos governos anteriores, o presidente Michel Temer (MDB) acabou poupando a Petrobras, diante da péssima imagem da companhia dentro e fora do Brasil. Nomeou um técnico, Pedro Parente (foto), para o comando e o liberou para adotar uma postura profissional no comando da empresa.

Continua após a publicidade

Na avaliação de Parente, a solução para o caixa da Petrobras passava por regular o preço dos combustíveis de acordo com critérios de mercado internacional. O saldo para a empresa foi positivo: dois anos depois, seu valor de mercado chegou a 293 bilhões. O efeito colateral foi uma disparada nos preços, que provocou a revolta dos caminhoneiros da última semana.

A desvalorização da estatal na Bolsa de Nova York com o anúncio de congelamento no preço do diesel foi o recado que refreou as intenções do governo em rever a política de preços da companhia. Sem saída, a gestão Temer trouxe os custos da redução de 0,46 centavos do preço do óleo para os cofres do governo e, até o momento, preservou a Petrobras.

A saída de Pedro Parente, apesar de motivada por uma decisão do próprio executivo, recoloca tudo novamente em estado de atenção. Caberá ao governo Temer escolher o novo presidente da companhia e, ao fazê-lo nesse momento de tensão, que vai dos funcionários da estatal ao mercado financeiro, deve dar os sinais definitivos de qual é a intenção do Palácio do Planalto em relação à política de preços dos combustíveis.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

a partir de 39,96/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.