Ao pendurar as chuteiras pelo Santos, em 1974, Pelé convocou uma auditoria para fazer um balanço de sua situação financeira, incompatível com a dimensão do eterno craque. Revelou-se o caos, com dívidas que consumiam 40% do salário do rei. Era resultado de anos de descaso e oportunismo de alguns de seus parceiros de negócios. O mais folclórico foi José Ozores Gonzales, o Pepe Gordo, empresário desde o tempo de calças curtas do gênio, que tomou decisões invariavelmente tortas.
A presença de agentes ao estilo de Pepe Gordo ao lado de futebolistas foi, desde sempre, comum como a demora do VAR nos lances decisivos. A boa-nova: eles parecem ter os dias contados. A partir de outubro, começam a vigorar, a ferro e fogo, as regras estabelecidas pela Fifa para controlar e pôr ordem em um mundo repleto de desvãos — o das transações em torno dos esportistas. Os cartolas de Zurique, em gesto correto, estabeleceram regras rígidas. Os representantes dos atletas receberão, nas transações, compra e venda, um teto de 5% do salário do jogador, nos casos de vencimentos de até 200 000 dólares anuais. Para soldos acima desse patamar, a limitação é de 3%. Pode não parecer tanto, mas o mercado é bilionário — os empresários da bola, em todo o mundo, faturaram o equivalente a 3 bilhões de reais só em 2022. Sem considerar, é claro, as permanentes brigas na Justiça. Se a Fifa fizer valer as normas, e tudo indica que sim, ganha relevância um novíssimo tipo de profissional.
Bem-vindo, portanto, ao universo dos agentes que não pensam apenas em cifras — mas que, evidentemente, não rasgam dinheiro. Adeus a personagens que só fazem contas e miram apenas as porcentagens. Adeus ao interesse restrito a assinaturas de contratos e pouca coisa mais. O agente moderno faz de tudo, como se reinventasse o ofício. Preocupa-se com o presente, com as finanças, sem dúvida, mas também com a imagem nas redes sociais, o contato com a imprensa, a vida familiar, os aspectos psicológicos atrelados a competições de alto nível etc.
A Magnitude, uma agência estabelecida no Rio de Janeiro, diz oferecer um trabalho em “360 graus”, ao lidar com jovens da base dos clubes de futebol e outros já consagrados. Zela pelo pacote completo — o que inclui ensino de idiomas e apoio no exterior. Acompanha até a relação dos contratados com seus familiares, sugerindo, muitas vezes, aparições públicas com os filhos, como acontece com o zagueiro Robson Bambu, do Vasco da Gama, que invariavelmente entra no gramado com um pequeno no colo. “A possibilidade de um atleta ter um ponto de contato, e a partir dele saber o que fazer, quais decisões tomar, é um conforto”, diz Raphael Fraga, sócio-fundador da Magnitude. “A manutenção de contratos a longo prazo é um modo de poder acompanhar a evolução e os bons resultados esperados.”
O cerco da Fifa, é claro, esse que pode reinventar a história, gera alguma insegurança. É natural. Mas produz também certezas. “É ótimo estabelecer parâmetros”, diz Paula Sandtfoss, uma das integrantes da Redoma Capital, agência de gestão patrimonial fundada em 2012 que trabalha com mais de oitenta esportistas, inclusive o camisa 9 da seleção brasileira, Richarlison. “Deparamos com muitos contratos mal formulados e abusivos.” Trata-se, tudo somado, de celebrar um modo inteligente de trabalhar com pessoas de intensa visibilidade e dinheiro a rodo — ímã para espertalhões que agora sairão de cena. É o que se pretende, ao menos.
Publicado em VEJA de 29 de setembro de 2023, edição nº 2861