A Fórmula 1 vai sobreviver. Mas vai ter de mudar muito
A categoria vai ter de se adaptar principalmente a novas legislações que vão banir motores a combustão na Europa nos próximos anos
No dia 13 de maio de 1950, o italiano Nino Farina venceu a primeira corrida da história da Fórmula 1, no lendário circuito de Silverstone, na Grã-Bretanha, com um Alfa Romeo muito diferente dos modelos atuais. O motor era dianteiro e não existiam aerofólios, entre outras coisas. A transformação sofrida ao longo de 67 anos foi fruto da evolução tecnológica do setor automotivo e agora começa a sofrer grande influência do comportamento. A F1 vai ter de mudar nas próximas décadas, e de maneira forçada.
Dizer que a F1 poderá deixar de existir é impossível. Mas a principal categoria do automobilismo mundial terá uma séria ameaça em breve: o fim da comercialização de carros com motores a combustão em alguns países da Ásia e Europa. E isso inclui nações que recebem ou já sediaram etapas da F1, como Alemanha, França, Grã-Bretanha, Índia e Holanda. O movimento mira a preservação do meio ambiente e a diminuição dos poluentes emitidos pela queima de combustíveis fósseis.
A Alemanha, berço de pilotos como o heptacampeão Michael Schumacher e o tetracampeão Sebastian Vettel, pretende encerrar a produção de veículos que rodam a gasolina ou a diesel em 2030, e em 2050 vai proibir carros deste tipo em seu território. É bem provável que daqui 33 anos o circuito de Hockenheim (que está fora do calendário deste ano) não poderá receber a F1 do jeito que é atualmente.
Holanda e Noruega desejam barrar os propulsores poluentes em 2025, a Índia pretende implementar sua política cinco anos depois; Grã-Bretanha e França escolheram o ano de 2040 como dead line. Alinhados a esta tendência, os fabricantes de automóveis já estão em posições avançadas para entrar na dança. Quase todos têm pelo menos um modelo movido com motor elétrico ou híbrido, e a Volvo vai além: em 2019, vai parar de vender carros 100% movidos a gasolina. A BMW vai fazer o mesmo em 2025, e a Toyota estipulou o ano de 2050.
A F1 deu os primeiros passos: os carros já são híbridos. Movem-se com a mescla da queima do combustível e a recuperação da energia gerada nas frenagens e do calor do turbo. Mas isso ainda é insuficiente.
“A F1 não vai acabar. Ela vai continuar sendo a categoria mais importante nos próximos 20 anos. Mas vai ser praticamente impossível ter corridas de carro a combustão no futuro. A mobilidade urbana está mudando para os veículos elétricos, e isto influencia no automobilismo”, disse o piloto brasileiro Lucas di Grassi, que correu a temporada 2010 na F1 pela extinta equipe Virgin.
O paulistano de 33 anos tem propriedade e conhecimento para falar do assunto. Um dos maiores interesses de Di Grassi é justamente o desenvolvimento de soluções tecnológicas dentro e fora do automobilismo. Como piloto contratado da Audi, colabora na construção de um veículo elétrico. E corre na categoria que representa ameaça à F1.
Além de atual campeão da Fórmula E, que vai para sua quarta temporada, Di Grassi contribuiu para o projeto do carro da categoria, movido a energia elétrica. O barulho produzido pelas máquinas assemelha-se ao zumbido de uma abelha. Enquanto a F1 vai viver o dilema em relação a combustível, sua concorrente não tem com o que se preocupar neste aspecto. Considerada a categoria do futuro do automobilismo, a Fórmula E ainda esbarra na capacidade de armazenamento da eletricidade. Nas corridas atuais, os pilotos utilizam dois carros, pois a bateria se esgota rapidamente. Isto não acontecerá mais a partir da quinta temporada, em meados de 2018.
Apesar de ainda não cativar muitos fãs pelo mundo – Di Grassi reconhece que a Fórmula E precisa ganhar força no Brasil -, a categoria está atraindo as grandes montadoras. A Renault e a Audi já fazem parte do campeonato. Em 2018, a BMW estará no circuito em parceria com a equipe Andretti. E, em 2019, mais duas alemãs entrarão na competição: a Porsche e a Mercedes. A primeira anunciou sua saída do Mundial de Endurance (WEC) para focar nos carros elétricos. E a segunda, que abandonará o DTM (prova de carros de turismo), dominou a F1 nas últimas três temporadas.
“Não há outra categoria do automobilismo com futuro mais brilhante do que a Fórmula E. Tudo isso mostra que a política das montadoras está indo na mesma direção”, falou o suíço Sébastien Buemi, campeão da Fórmula E em 2016, e também ex-piloto da F1.
O futuro sucesso promissor da Fórmula E não significa a morte F1, mas ela terá de mudar muito. “As categorias vão coexistir pelo menos pelos próximos 10 anos. Daqui a 40, vai depender de como o esporte a motor vai reagir a toda essa transformação. O futuro, imagino eu, será dividido em dois: competições de tecnologia, e entre pilotos. Não é porque surgiu a moto que não existem mais as provas de bicicleta. O que eu gostaria que acontecesse é que a F1 voltasse ao passado, em que o piloto fazia mais diferença. Os carros precisam ser mais iguais. Temos de recuperar este automobilismo mais humano”, falou Di Grassi.