Caiu na rede: o salto de popularidade do vôlei no Brasil
Com times vitoriosos e partidas transformadas em espetáculos, mais de 96 milhões de brasileiros se declaram fãs do esporte
O incômodo é permanente para nove entre dez esportistas brasileiros que não jogam com as bolas nos pés. Reclamam, e com razão, do exagerado destaque concedido ao futebol. É onipresença que atravanca o avanço de outras modalidades. E, no entanto, eis aí uma boa surpresa, o país do futebol pode ser também o país do vôlei. A pesquisa Sponsorlink, do instituto Ibope Repucom, com entrevistas feitas pela internet, revela que 87% da população com 18 anos ou mais têm interesse no esporte. É um contingente de 96 milhões de pessoas, número 113% maior que os 45 milhões que se declararam amantes do jogo de quadra na primeira edição do levantamento, em 2013. É um salto extraordinário, retrato das frequentes vitórias das equipes feminina e masculina, sempre no topo. As mulheres têm cinco medalhas olímpicas (ouro em 2008 e 2012; prata em 2020; e bronze em 1996 e 2000). Os homens subiram seis vezes ao pódio (ouro em 1992, 2004 e 2016; e prata em 1984, 2008 e 2012). “O vôlei brasileiro tem um histórico de desempenho tão bom que a expectativa é sempre alta”, afirma Adriana Behar, CEO da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV). “Isso fortaleceu o engajamento e ajudou a trazer mais interessados.”
Como hoje no mundo tudo é espetáculo, seria preciso acrescentar boa dose de entretenimento para manter os ginásios cheios e as emissoras de televisão e os serviços de streaming interessados na transmissão. Não por acaso, as partidas promovidas pela CBV têm luzes, música e shows, em atmosfera que remete, mesmo que a léguas de distância, ao ambiente da NBA, a liga de basquete americana. “Vai além do jogo”, resume Behar. Ressalte-se, ainda, que a construção do vôlei como fenômeno — e convém não esquecer das duplas de praia — foi trabalho cuidadoso e lento. Se o futebol parece existir no Brasil desde muito antes do big bang, convencer a população da relevância e alegria dos saques e cortadas é resultado de uma bonita aventura, recheada de ideias de marketing que fizeram história.
Nenhuma delas se compara ao que houve em 1983, numa arena montada no centro do Estádio do Maracanã. Ali, Brasil e União Soviética fizeram um amistoso memorável diante de mais de 95 000 pessoas, recorde de público jamais igualado em partidas de vôlei. Os brasileiros ganharam, com a presença de Renan dal Zotto, o atual técnico do time masculino, e Bernardinho, o supertreinador que deixou recentemente o comando da seleção masculina francesa para ficar perto da filha de 12 anos, no Rio. O desafio de 1983 teve tropeções épicos. Foi marcado para julho, mês de índice pluviométrico baixo no Rio — contudo, caiu um toró, afeito a fazer daquela noite um instante mágico, atrelado ao saque Jornada nas Estrelas, do ponta Bernard, que punha a bola lá no céu, e daquela vez sem o teto de um ginásio a interromper a trajetória. “As pessoas pensam que o vôlei começou do dia para a noite”, costuma dizer Bernard. Não, e depois de tanto tempo parece ter chegado o apogeu.
Nas areias da metrópole
Acontece em outras grandes cidades, mas virou moda em São Paulo. O isolamento provocado pela pandemia despertou o interesse dos paulistas pelos esportes de areia. Assim que a emergência sanitária permitiu, os esportistas de ocasião passaram a buscar formas de curtir a “praia” sem precisar viajar para o litoral. O resultado foi uma explosão das arenas dedicadas a modalidades como o vôlei de praia, o futevôlei e principalmente o beach tennis, uma variação do frescobol e do badminton que surgiu na Itália na década de 80.
São mais de 700 espaços no estado de São Paulo, 250 deles apenas na capital, alguns luxuosos, com lounges e bares. A prática do esporte cresceu mais de 250% nos últimos dois anos. Empresas que produzem as areias específicas para as quadras viram a demanda disparar, com patrocínio de grandes marcas. Há campeonatos voltados para níveis diferentes de habilidade dos atletas. “O interesse crescente se traduz em vontade de praticar, não em alto nível, mas como forma de fazer parte de uma comunidade”, afirma Adriana Behar, CEO da Confederação Brasileira de Vôlei. E então brotou uma saudável alternativa de lazer para os paulistanos, associada ao estranhamento do improvável casamento da metrópole sem litoral com a sensação de beira-mar.
Publicado em VEJA de 3 de agosto de 2022, edição nº 2800